Arquivo

Archive for the ‘Cinebiografia’ Category

Che – O Argentino – **** de *****

abril 1, 2009 6 comentários
Sou muito… ou melhor… muitíssimo… ou melhor ainda… exageradamente suspeito para falar de Ernesto “Che” Guevara de La Serna. Ao contrário do que o Ricardo comentou quando escreveu sobre o encantador “Diários de Motocicleta”, sou fã incondicional não apenas da pessoa Che Guevara, mas também do mito Che Guevara e do idealista Che Guevara. Li muito (muito mesmo) sobre a vida do guerrilheiro argentino e talvez ele tenha sido um dos principais impulsos que tive em minha infância para que pudesse me autointitular de “pseudo-intelectual de esquerda”, uma vez que carreguei comigo ideais marxistas dos 8 aos 16 anos de idade (e antes que alguém pense que estou sendo pedante, admito que os meus conhecimentos sobre marxismo aos 8 anos de idade resumiam-se apenas ao que o meu pai, que na época também era de extrema esquerda, me falava a respeito). Logo, era mais do que comum que Guevara fosse para mim o que Superman era para as pessoas normais (sim, já que, felizmente, eu sou um anormal neurótico e alucinado): um herói, um verdadeiro modelo a ser seguido. Passaram-se os anos, caí na real de que o marxismo, leninismo e trotskismo eram pura utopia e perdi a fé na raça humana contraindo um ódio mortal pela mesma, optando então por aderir à anarquia bakuniana e proudhoniana e, mais para frente, tornei-me ainda mais extremista e passei a adotar o niilismo passivo de Schopenhauer como doutrina filosófica. Atualmente, como os(as) senhores(as) devem saber, abandonei Schopenhauer e passei a seguir o niilismo ativo de Nieztsche, algo que faço desde os 21 (ou seria 22?) anos de idade (encontro-me com 25 neste exato momento). Contudo, mesmo relegando Marx, Engels, Lenin e Trotski a um terceiro plano, jamais o fiz com Che Guevara e, até hoje, leio tudo o que vejo pela frente e refere-se ao líder guerrilheiro argentino (e falem o que falar da Argentina, mas dez mil brasileiros não equivalem a um argentino, ou vocês acham que Marechal Deodoro da Fonseca e Joaquim José da Silva Xavier fazem frente a General José Francisco de San Martín y Matorras e Ernesto “Che” Guevara de La Serna?). Tendo tudo isso em vista, será que eu consigo criticar um filme sobre o maior ídolo revolucionário da Argentina no século XX sem ser parcial? Vamos ao desafio.

Ficha Técnica:
Título Original: Che: Part One.
Gênero: Drama.
Tempo de Duração: 126 minutos.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.che-movie.co.uk/
Nacionalidade: EUA / França / Espanha.
Direção: Steven Soderbergh.
Roteiro: Peter Buchman, baseado em livro de memórias de Ernesto “Che” Guevara.
Elenco: Benicio Del Toro (Ernesto “Che” Guevara), Demián Bichir (Fidel Castro), Julia Ormond (Lisa Howard), Rodrigo Santoro (Raul Castro), Maria Isabel Díaz (Maria Antonia), Ramon Fernandez (Hector), Yul Vazquez (Alejandro Ramirez), Jose Caro (Esteban), Pedro Adorno (Epifanio Díaz), Jsu Garcia (Jorge Sotus), Santiago Cabrera (Camilo Cienfuegos), Roberto Santana (Juan Almeida), Vladimir Cruz (Ramiro Valdés Menéndez), Marisé Alvarez (Vilma Espín), Elvira Mínguez (Celia Sánchez), Andres Munar (Joel Iglesias Leyva), Liddy Paioli Lopez (Quike Escalona), Pedro Telémaco (Eligio Mendoza), Eugenio Monclova (Emilio Cabrera), Luis Gonzaga Hernandez (Lalo Sardiñas), Jose A. Nieves (Dr. Julio Martinez Paez), Catalina Sandino Moreno (Aleida March) e Armando Riesco (Benigno Ramirez).

Sinopse: Ernesto Guevara de La Serna, mais conhecido como “Che” (Benício Del Toro), foi um guerrilheiro que, ao lado de Fidel (Demián Bichir) e Raul Castro (Rodrigo Santoro), organizou uma revolução sangrenta em Cuba expulsando da ilha toda a massa burguesa que explorava o proletariado. A partir desta revolução, Guevara e seus companheiros de guerra implantaram, pela primeira vez em um país americano, o sistema econômico conhecido como socialismo. O filme dirigido por Steven Soderbergh a Revolução Cubana e a mais importante fase da vida de “Che”.

Che – Part One – Trailer:

Crítica:

Já disse que sou fã incondicional de Che Guevara? Ah sim, já disse, escrevi a maior pré-crítica da história do Cine-Phylum apenas para dizer o quanto o revolucionário argentino influenciou o meu intelecto. Pois então torno-me extremamente suspeito para escrever um texto sobre um filme que traga o revolucionário argentino como protagonista, não é mesmo? Sim, é mesmo, mas de qualquer forma, não custa tentar.

Em primeiro lugar, gostaria de iniciar esta análise discordando de muitos colegas que reclamaram do longa alegando que o cineasta Steven Soderbergh (do ótimo “Traffic”) não realizou uma abordagem necessariamente imparcial em cima do líder revolucionário. Sinceramente falando, sou totalmente avesso a essa opinião. Creio que a abordagem feita sobre Che Guevara neste “O Argentino” poderia ter sido realizada de um modo menos frio e mais humano e detalhista, e não da forma semi-documental como o longa fez.

Para se ter uma idéia, quando o filme se inicia somos diretamente introduzidos ao histórico encontro onde “Che” e Fidel Castro se conheceram. Tudo é exibido de um modo muito frio, muito distante, e, francamente, não fosse o carisma que o líder militar possui por si só, aposto que muita gente teria sentido antipatia pelo mesmo. Em momento algum o longa parece se importar em citar, ainda que de soslaio, a juventude de “Che”, os motivos que o levaram a adotar a luta de classes como estilo de vida, a conturbada, embora breve, carreira política pré-guerrilha deste, ou a sua famosíssima passagem pela Guatemala. Por outro lado, devo reconhecer que a abordagem fria que o roteiro confere ao personagem-título é uma característica, de certa forma, inerente a uma obra que adota uma postura semi-documental. Afinal de contas, uma cine biografia, a fim de fugir do piegas e de sentimentalismos fajutos, deve adotar uma posição imparcial, e isso é fato.

Todavia, convenhamos, ser imparcial é uma coisa, ser extremamente frio e desprovido de emoção, é outra. E é justamente aí que reside o (provavelmente) único erro da película. O roteiro, é claro, deveria abordar “Che” de modo frio, mas ainda assim deveria deixar brechas que fizessem com que nos cativássemos com o protagonista mais rapidamente. Quer um exemplo de cine biografia fria e imparcial, embora cativante? O próprio “Diários de Motocicleta”. Você não terminará de assistir ao filme de Walter Salles e sairá pelas ruas berrando: “___ Viva la revolución! Viva Che!”, mas não deixará também de refletir sobre o modo como Guevara debate a miséria na América Latina.

“___ Mas em “Che – O Argentino” não refletimos sobre a miséria na América Latina, sobretudo em Cuba?” ___ Pergunta-me o leitor. Refletimos sim, só que não de um modo realmente satisfatório, como o longa protagonizado por Gael Garcia Bernal conseguira fazer. Na produção dirigida por Soderbergh, vemos dois lados de Guevara: o Che Guerrilheiro e o Che Idealista. E isso é ruim? Claro que não, principalmente se levarmos em conta o modo como o roteiro o aborda. E é aí que discordo amplamente de outros críticos de Cinema que alegaram que o “script” joga confetes no líder argentino. Pura balela. Oras, vemos Che esbravejando com seus soldados, vemos Che punindo fria e impiedosamente desertores, vemos Che atirando para matar, vemos Che defendendo que a única e verdadeira revolução que poderia funcionar em Cuba seria a revolução sangrenta e, mesmo com tudo isso, ainda insistem em dizer que Soderbergh não é imparcial e joga confetes no revolucionário? Ora bolas, me poupem!

Por outro lado, não se deixem levar pelo final do parágrafo acima. O filme não faz com Che o que a Revista Veja fez com o mesmo, transformando-o em um monstro assassino. O Guevara que mata pessoas em “Che – O Argentino” é o mesmo Guevara que sofre com as causas trabalhistas. O Guevara que é a favor de uma revolução sangrenta em “Che – O Argentino” é o mesmo Guevara que defende que a principal característica de um revolucionário deve ser o amor (calma, não se assuste, quando assistir ao filme verá que não há nada de piegas nesta declaração). Enfim, conforme podemos notar, a produção ganha muitos pontos por não pender para lado algum, já que ela aponta o seu protagonista como um sujeito de grande caráter, mas com sérios desvirtuamentos morais durante muitos momentos.

A produção ganha pontos também pela atitude que toma a fim de quebrar uma possível narrativa linear e episódica (algo que “Milk – A Voz da Igualdade” raramente faz, e quando o faz, realiza de modo artificial), algo que a tornaria muito mais falha. Trata-se da inteligente idéia do roteiro em narrar, paralelamente à tomada de Cuba, uma entrevista que Guevara cedeu a uma rede de televisão estadunidense e a celebre visita dele à ONU. Aliás, é nesta “subtrama” (se é que posso a chamar assim) que vemos o protagonista soltar uma das frases mais marcantes e impactantes do longa: “É muito fácil dizer que, no capitalismo, o indivíduo tem a opção de satisfazer ou expressar-se através da natureza humana. Um menino tem um brinquedo e quer dois, tem dois e quer quatro, essa é a natureza humana, não é assim? Entretanto, o que acontece quando a sociedade comporta-se da mesma forma, ou quando se converte em um monopólio, oprimindo aos menos afortunados? É essa a natureza humana?”.

E quanto aos demais elementos do filme? Bem, diria que a direção de Steven Soderbergh é contida, mas, ao mesmo tempo, madura. O diretor evita cometer infantilidades, tais como idolatrar Guevara ou transformar esta obra em uma mera película de ação. Também se esforça bastante para distanciar o drama da pieguice e do melodrama barato, criando aqui uma estória bastante satisfatória a ponto de “segurar” as mais de duas horas de projeção.

O elenco então, dispensa comentários. Não restam dúvidas de que o filme é, definitivamente, de Benício Del Toro. Aparentemente, anos de laboratório estudando a vida de Che fizeram bem ao ator, que o encarna com um talento fora do comum. Del Toro está para Che Guevara assim como Tom Hulce está para Wolfgang Amadeus Mozart, ou Val Kilmer está para Jim Morrinson, Renée Maria Falconetti está para Joana d’Arc, Ben Kingsley está para Mohandas Karamchand Gandhi, Liam Neeson está para Oskar Schindler e David Strathairn está para Edward Roscoe Murrow. Demián Bichir também surpreende como Fidel Castro. Além de ter a aparência física semelhante a do ditador cubano antes da revolução, conta com os mesmos trejeitos dele e nos brinda com uma atuação repleta de verborragia. Rodrigo Santoro também se sai bem como Raul Castro e, embora a sua participação no longa seja consideravelmente curta, ele se destaca muito nos poucos minutos em que aparece (lembra-se de Jhonny Depp no excelente “Platoon”? Pois é, trata-se de um trabalho bastante semelhante).

Falhando ligeiramente no pouco carisma com o qual aborda o personagem-título, “Che – O Argentino” prima pela sua imparcialidade e ganha muita força com a atuação magistral do sempre excelente Benício Del Toro.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.