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Watchmen – O Filme – **** de *****

Enfim, o dramalhão mexicano “Missão: Watchmen – O Filme” teve o seu fim, e adivinhem só, como em um grande chavão da teledramaturgia da terra da tequila (ahhhh, a tequila, que saudades da tequila!), teve um final feliz. Sim, um “happy end”. Por que? Oras, porque adorei o filme, achei-o muito, muito bom, com uma ressalva ou outra. Enfim, o leitor poderá conhecer a minha opinião lendo a crítica abaixo, que ficou imensa diga-se. A propósito, preciso reduzir o tamanho de meus textos, não? Sim, e tenham certeza de que a próxima crítica que eu escrever (provavelmente será a de “Gran Torino”, que deverá sair amanhã ou no domingo), será consideravelmente menor que esta. Agora, um aviso aos chatos de plantão (e até mesmo amigos pessoais meus que convivem comigo dia a dia, fisicamente): se vocês acham meus textos longos demais e é difícil arrumar tempo e, acima de tudo, paciência para lê-los inteiramente, façam o seguinte: leiam apenas o último parágrafo. Lá faço um resumo do texto inteiro (e não só deste texto, mas de todos os outros que publico por aqui). Dado o recado, vamos à crítica.

Ficha Técnica:
Título Original: Watchmen.
Gênero: Drama / Ficção Científica.
Tempo de Duração: 163 minutos.
Ano de Lançamento: 2009.
Site Oficial: http://www.watchmenofilme.com.br/
Nacionalidade: EUA / Inglaterra / Canadá.
Direção: Zack Snyder.
Roteiro: Alex Tse e David Hayter, baseado em graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons.
Elenco: Malin Akerman (Laurie Juspeczyk / Espectral), Billy Crudup (Jon Osterman / Dr. Manhattan), Matthew Goode (Adrian Veidt / Ozymandias), Jackie Earle Haley (Walter Kovacs / Rorschach), Jeffrey Dean Morgan (Edward Morgan Blake / Comediante), Patrick Wilson (Dan Dreiberg / Coruja), Carla Gugino (Sally Jupiter / Espectral), Matt Frewer (Edgar Jacobi / Moloch), Stephen McHattie (Hollis Mason / Coruja), Laura Mennell (Janey Slater), Rob LaBelle (Wally Weaver), Gary Houston (John McLaughlin), James M. Connor (Pat Buchanan), Mary Ann Burger (Eleanor Clift), John Saw (Doug Roth), Robert Wisden (Richard Nixon), Jerry Wasserman (Detetive Fine), Don Thompson (Detetive Gallagher), Frank Novak (Henry Kissinger), Ron Fassler (Ted Koppel), Greg Armstrong-Morris (Truman Capote), J.R. Killigrew (David Bowie), John Kobylka (Fidel Castro), Glenn Ennis (Justiceiro Encapuzado), Dan Payne (Dollar Bill), Salli Saffioti (Annie Leibovitz), Darryl Scheelar (Capitão Metrópolis), Brett Stimely (John F. Kennedy), Carrie Genzel (Jackie Kennedy), Chris Gauthier (Seymour), Steven Stojkovic (Mick Jagger), Greg Travis (Andy Warhol), Apollonia Vanova (Silhouette), Chris Weber (Oficial O’Brien), Lori Watt (Mãe de Rorschach), Frank Cassini (Marido de Sally Jupiter), Clint Carleton (Hollis Mason – jovem), Haley Guiel (Laurie Jupiter – 13 anos), Jaryd Heidrick (Jon Osterman – jovem), Mike Carpenter (Moloch – jovem) e Eli Snyder (Rorschach – jovem).

Sinopse: Com a aprovação de uma lei em 1977, que determina que o combate ao crime organizado não poderá mais ser realizado através de pessoas mascaradas nomeadas de “Watchmen”, vários super-heróis perdem o emprego e o prestígio que possuíam há pouco tempo atrás. Alguns deles ficam loucos, outros tornam-se marginais foragidos da justiça, outros passam a trabalhar para o governo e, a maioria, simplesmente se aposenta e passa a levar uma vida normal. A calmaria é quebrada, contudo, quando um destes ex-super-heróis, o Comediante (Jeffrey Dean Morgan), é assassinado. Seu antigo colega, Rorschach (Jackie Earle Haley) entra em cena e passa a investigar o ocorrido. As investigações, a princípio, não são levadas a sério pelos outros ex-membros da equipe: Espectral (Malin Akerman), Coruja (Patrick Wilson), Dr. Manhattan (Billy Crudup) e Ozzymandias (Matthew Goode), mas após uma tentativa de assassinato deste último, todos optam por dar mais atenção a Rorschach. Todos, exceto os próprios Manhattan e Ozzymandias, que encontram-se extremamente ocupados trabalhando para o governo estadunidense na defesa do país contra possíveis ataques nucleares russos.

Watchmen – Trailer:

Crítica:

Quem for ao cinema esperando de “Watchmen – O Filme” uma adaptação de HQ convencional certamente dará com os burros n’água. O filme, felizmente, vai muito além disso, mas muito além mesmo. Não espere encontrar aqui situações como as que a mocinha indefesa, que passa a metade da projeção berrando “help!”, é salva no final pelo aguerrido herói que utiliza os seus super poderes para tal. Também não espere encontrar por aqui heróis altruístas, de caráter ilibado e moral inquestionável que se unem para salvar o mundo. Ops… esperem um pouco… em “Watchmen” os protagonistas se unem, de uma forma ou de outra, para salvar o mundo, não é mesmo? Bem, em parte sim, em parte não, e é aí que residem as maiores qualidades do filme. Os questionamentos de certos personagens sobre o porquê de salvar uma raça tão execrável e pútrida quanto a raça humana dá um tom extremamente distanciado entre a obra de Zack Snyder e os demais filmes de heróis convencionais.

Abrindo o longa com uma batalha mortal entre o super-herói alcunhado de “O Comediante” e um indivíduo mascarado, logo vemos o primeiro sendo derrotado e, consequentemente, morto pelo segundo. A seguir, o filme parte para os créditos iniciais e acompanhamos a projeção dos mesmos sob o som mais do que conveniente de “The Times They Are A-Changing” de Bob Dylan. Ao fundo, vemos uma sequência de imagens mostrando os tempos gloriosos de uma trupe de super-heróis que passaram por momentos marcantes na história dos EUA, variando desde a Segunda Grande Guerra até o início dos anos 1980, marcado pela mais execrável era da humanidade: a era “yuppie”. E é justamente quando nos lembramos da morte do Comediante (recentemente projetada na telona) que percebemos o quão sincronizada é a sucessão de imagens com a música de Dylan, que anuncia que os tempos estão mudando. E de fato, estão mesmo, afinal de contas, onde está o poder dos super-heróis que, outrora, eram imbatíveis e, agora, passam a ser exterminados um a um?

Este é o primeiro questionamento que “Watchmen” levanta acerca de seus personagens e, já de cara, nos anuncia que não será mais uma, dentre tantas outras, adaptações de HQ. “Watchmen” não é apenas um filme de super-heróis, mas sim um filme de super-heróis que amargam a aposentadoria. E se para muitos (inclusive para este que vos escreve, que não vê a hora de encerrar a sua carreira convencional e dedicar-se apenas à crítica cinematográfica, mas até lá restam mais de quarenta anos) este período da vida se revela o melhor dentre os demais, para outros este período se revela o fim de sua glória profissional. Quantos filmes, principalmente adaptações de HQ, você já assistiu que o levaram a tais questionamentos? Pouquíssimos, não? Pois é. Mas o longa não pára por aí. De forma alguma, ele vai muito além.

Quando os créditos se encerram e o filme toma a sua continuidade a partir da morte do Comediante, passa a entrar em cena então a averiguação do assassinato deste. Surge então um personagem extremamente fascinante e misterioso. Seu nome é Rorschach. Ele tem como uma de suas principais habilidades a capacidade de passar pelas pessoas sem nem ao menos ser notado. Rorschach utiliza estes dons para investigar a morte do ex-colega. Neste momento, o longa adota uma deliciosa estrutura de filme noir, tomando por base a fotografia extremamente escura, a narração “in off” e a falta de perspectiva com a qual o personagem encara a vida. Ele não admite o fato de ter sido simplesmente “desligado”, assim como os outros “Watchmen”, do governo estadunidense. Sua aposentadoria forçada e o seu “exílio” são por ele encaradas como uma ingratidão por parte das pessoas pelas quais se esforçou tanto para auxiliar no passado. Isso pode ser muito bem testemunhado por nós na cena onde narra: “A imundice acumulada de todo o sexo e homicídio subirá até as cinturas, e todas as prostitutas e políticos olharão para cima e gritarão: “salve-nos!”, e eu vou sussurrar: “não!”.”

Aliás, frases de impacto, como a supracitada, é o que não falta no filme. Muito pelo contrário, diria que até sobram. Vide o diálogo entre o próprio Rorschach e o Coruja, por exemplo. O segundo diz: “Você deveria tentar levar uma vida normal.” e o primeiro retruca: “É isso o que você tem agora? Uma vida normal? Quando você anda pelas ruas de uma cidade morrendo de hidrofobia e passa pelas baratas humanas falando de heroína e pornografia infantil, você realmente se sente normal?”, o interlocutor ainda insiste: “Pelo menos eu não estou me escondendo atrás de uma máscara.” e Rorschach encerra: “Não, você está se escondendo abertamente.”. E não pára por aí não. Outro diálogo de forte impacto é um onde o mesmo Coruja protagoniza com o Comediante: “Onde está o sonho americano?”, pergunta o primeiro, e o segundo responde enquanto atira em um grupo de manifestantes desarmados: “Você está olhando para ele!”.

Hum, espere aí! Citei o Comediante novamente, não? Sim, e sabem o que isso prova? Que ele não é apenas um recurso dramático adotado pelo filme a fim de iniciar uma investigação sobre o seu homicídio. Muito pelo contrário, o Comediante é um verdadeiro “Watchmen” e o desenvolvimento dele se revela tão imprescindível à trama como o de seus ex-colegas. Quando vemos o monstro que o alter-ego de Edward Morgan Blake era, logo deixamos de sentir pena pela morte do mesmo. O herói, que está mais para anti-herói, era um sujeito reacionário, cruel, impulsivo, e que via no emprego da violência um preenchimento para a sua vida. Blake estupra colegas de trabalho, se embriaga com frequência e atira em mulheres que carregam consigo um filho dele mesmo. E sabem o que é o melhor disso tudo? Ele o faz sem soar caricato (e muito disso deve-se à fenomenal atuação de Jeffrey Dean Morgan), pois sempre age de modo natural, e não almejando anunciar a sua crueldade através dos atos mais abomináveis o possível. O Comediante nos inspira ódio, nos inspira repulsas. Ele não é um herói, mas sim um inimigo da liberdade, assim como a grande maioria dos policiais e militares também o são, meros “porcos fardados”.

Tendo em vista o parágrafo supra, o que seriam então os Watchmen, haja visto que quase todos eles possuem um caráter quase tão reacionário quanto o de Blake? Os Watchmen não são heróis, mas sim a imagem xerocada do sistema político estadunidense. Representam a hipocrisia que permeia a Terra do Tio Sam, o uso de violência para combater a violência. São conservadores de extrema direita que fingem defender o povo, quando, na verdade, atacam ferozmente o mesmo (a mesmíssima coisa que policiais e militares o fazem). E aí o filme nos levanta outra questão: será que se as pessoas tivessem super poderes elas os utilizariam para o bem, conforme mostram a grande maioria das HQs? Ou se uniriam ao governo e, sem nem ao menos se darem conta, os utilizariam de forma repressora e anti-libertária, assim como policiais e militares o fazem (no caso, os super poderes destas classes escravagistas… digo… trabalhistas, são resumidos à autoridade delas)?

Inclusive um dos personagens mais sensatos da trama revela-se extremamente cruel diante de toda a sua racionalidade. Refiro-me ao mais complexo membro dos Watchmen: o poderoso Dr. Manhattan, cujo excesso de razão o transforma em uma pessoa insensível e sem o menor senso de piedade para com os seres humanos (vide a sequência no Vietnã onde o excelente “Apocalypse Now” é homenageado sob o som de “A Cavalgada das Valquírias” de Richard Wagner (que é tão adorada por mim que a coloco no celular para despertar-me todas as manhãs), por exemplo). E até mesmo com os amigos mais próximos a frieza emocional de Manhattan soa assombrosa, como vemos na cena onde ele não faz nada para impedir que uma garrafa rasgue a face do Comediante (e nesta mesma cena ele se mostra passivamente cruel ao não impedir que o anti-herói atire em seu desafeto) ou quando toma uma terrível atitude contra o amigo Rorschach no final do filme.

E o vilão, faz jus aos demais personagens? Sim, e ratificamos isto em uma frase dita por ele mesmo: “___ Não sou um simples vilão de gibi”. E, de fato, não é mesmo. O seu plano é fascinante, instigante, maravilhoso. Ao mesmo tempo em que se embasa em ideais altruístas, se revela um tanto o quanto desumano. Contudo, o que ele acaba realizando é, na verdade, um mal necessário. A propósito, o final da trama pode ser bastante anticlimático aos espectadores que estão acostumados com um filme mais redondinho (e volto a bater na tecla, se você não gosta de filmes de super-heróis que fogem bastante do convencional, talvez não nutra a mesma paixão que eu nutri por “Watchmen – O Filme”), já que está longe de ser um “happy end” (mas também está longe de ser um “unhappy end”).

Enfim, falei muito bem do filme até o momento (utilizei 1500 palavras para tal!!! Preciso reduzir meus textos.) o que significa que ele é uma produção “nota 10,0” ou um longa “cinco estrelas”, correto? Errado. Como de praxe, deixei as falhas para o final. Dediquei noventa por cento desta crítica para descrever os personagens do filme e o leitor, a essa altura, já sabe que os considero o grande trunfo da obra de Snyder, correto? Sim. Contudo, é extremamente irônico que, se por um lado as maiores qualidades de “Watchmen” residam na grande maioria de seus personagens, por outro lado os maiores defeitos do filme possam ser encontrados na minoria deles. Dois deles, para ser mais exato. Quais são? Coruja e Espectral.

Poderia começar mencionando que o romance entre ambos é exacerbadamente previsível, mas não o farei. Há outras características contidas nos dois que incomodam muito mais do que o singelo relacionamento amoroso deles: a falta de profundidade na caracterização de ambos. Se Comediante, Rorschach e Manhattan são fortes o bastante para “segurarem” o filme tranquilamente, Coruja e Espectral não são. Ambos são rasos demais e não contam com características realmente fortes a ponto de nos cativar, assim como vem a ser o caso dos outros três previamente citados. Quando estão juntos então, a situação piora. E sabe quando as coisas conseguem piorar ainda mais? Quando o roteiro opta por conferir importância demais a ambos. Seja franco, tirando o corpo maravilhoso da heroína (que fica de bunda de fora durante uma cena! Aêêê! Ops, sou assexuado, deixe-me conter.), o belo rosto da mesma, sua bela voz, ou quaisquer outros atributos diretamente ligados à beleza de Espectral, você conseguiu guardar (caso já tenha assistido ao filme, é claro) alguma outra característica da moça ao término da sessão (exceto, é claro, se levarmos em conta a surpreendente ligação dela com o Comediante, que é revelada ao final da trama)? E, sinceramente, acredito que a caracterização da personagem só não consegue ser mais insossa do que a péssima atuação da lindíssima Malin Akerman.

O que dizer do Coruja, então? Tirando os óculos de visão noturna e o resto da aparelhagem (que perde feio para os equipamentos do Batman e, principalmente, dos X-Men) dele, o que sobra (e não entrarei no mérito da beleza do ator pois homens não me atraem nem um pouco, ou seja, mesmo sendo assexuado, ainda tenho uma “salvação”, seja lá o que venha a significar tal “salvação”)? Ele é o típico super-herói bonzinho, que aproveita a aposentadoria para viver um estilo de vida que ele julga normal e, quando sente-se ameaçado, automaticamente volta à ativa para proteger os companheiros e a si mesmo, e não vai nada além disso. Nem mesmo a carismática presença de Patrick Wilson consegue fazer o personagem decolar.

Um dos motivos, no entanto, que mais me fizeram sentir vontade de assistir a este “Watchmen – O Filme” era o fato do mesmo ser dirigido por Zack Snyder. Ao contrário de boa parte da população terrestre, adorei a direção do jovem cineasta em “Madrugada dos Mortos” e, principalmente, no ótimo “300”. E sabem do que mais? Sou fã incondicional do modo como ele aplica “slow motion” durante as cenas de ação. Parece que a técnica, que é muito utilizada no excelente “Matrix” confere um toque especial às sequências de ação, pois à medida que podemos acompanhar minuciosamente as coreografias das batalhas corporais, elas se tornam mais atraentes. Em “300” Snyder utilizava tal recurso de modo fantástico e totalmente favorável à obra, já em “Watchmen – O Filme”, isto está longe de acontecer. E não bastasse o mal emprego do “slow motion”, o diretor parece ligar a câmera no piloto automático e apenas filma o que está acontecendo, nada além disso. Não há um único movimento realmente satisfatório realizado com a câmera, não há nada que consiga nos atrair definitivamente, nos cativar, nos sentir dentro da estória, e isso, é claro, conta muitos pontos negativos ao resultado final do filme.

E quanto à trilha-sonora, ela é tão desconexa com as cenas, como estão dizendo por aí? Não, não acho. “The Times They Are A-Changing”, por exemplo, nos transmite toda uma reflexão acerca dos personagens que o filme irá abordar. As outras músicas também são muito convenientes a meu ver, como “Unforgettable” que confere um contraste muito bacana com o violento combate pré-crédito que resulta na morte do Comediante, ou “The Sound of Silence” que ilustra o enterro do personagem (e que música poderia se encaixar melhor na tristeza e melancolia que tal cena transmite?). É claro que algumas músicas como “Hallelujah” são empregadas do modo mais desastroso que se possa imaginar (e a cena só se salva de ser terrivelmente desastrosa devido a bunda Malin Akerman), mas no mais, está longe de ser o desastre ambiental que as pessoas vem anunciando.

“Watchmen – O Filme” tinha todas as cartas na manga para ser uma superprodução excepcional, bastava apenas dirigir o seu foco aos personagens Rorschach, Comediante, Dr. Manhattan e, até mesmo, Ozymandias, e relegar Coruja e Espectral completamente ao segundo plano, mas, infelizmente, não é exatamente isso o que acontece. O roteiro disponibiliza tempo demais ao casal insosso e quebra o ritmo que os demais personagens, todos eles interessantíssimos, vinham conferindo até então. A estrutura narrativa do filme, por sua vez, é extremamente interessante e alterna constantemente entre subtramas existenciais, uma investigação à lá filme noir e uma aventura interessantíssima alicerçada por um magistral e perturbador “plano diabólico” do vilão da estória. As atuações são muito boas e só tem a acrescentar nos interessantes dramas vivenciados pelos seus personagens. É triste, no entanto, notarmos o quão pouco ousa Zack Snyder e, diferentemente de “Madrugada dos Mortos” ou “300”, realiza uma direção apenas razoável, entrando em total contraste com um roteiro repleto de personagens interessantes, diálogos bem construídos e uma estória bastante envolvente.

Avaliação Final: 8,0 na escala de 10,0.

O Cavaleiro das Trevas – ***** de *****

novembro 27, 2008 Deixe um comentário
Tendo em vista a imensidão da crítica que redigi, desta vez (teve 2.009 palavras contra as aproximadamente 700 ou 800 que meus textos costumam ter), serei o mais breve o possível nesta pré-crítica. Muito tem se falado do sucesso de bilheteria que este “O Cavaleiro das Trevas” vem alcançando recentemente e, sempre que um fenômeno comercial desta magnitude ocorre eu gosto muito de comentar se o filme em questão merece tanto esplendor ou não. Pois no caso desta continuação de “Batman Begins” eu digo que merece, e muito, não apenas possuir uma bilheteria extremamente lucrativa, como também entrar para o ranking das três maiores bilheterias da história do Cinema, superando até mesmo o ótimo “Piratas do Caribe – O Baú da Morte”.

Ficha Técnica:
Título Original: The Dark Knight
Gênero: Aventura
Tempo de Duração: 142 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Estúdio: Warner Bros. Pictures / Legendary Pictures / DC Comics / Syncopy
Distribuição: Warner Bros.
Direção: Christopher Nolan.
Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan, baseado em estória de Christopher Nolan e David S. Goyer e nos personagens criados por Bob Kane.
Produção: Christopher Nolan, Charles Roven e Emma Thomas.
Música: James Newton Howard e Hans Zimmer.
Fotografia: Wally Pfister.
Desenho de Produção: Nathan Crowley.
Direção de Arte: Mark Bartholomew, James Hambidge, Kevin Kavanaugh, Simon Lamont, Naaman Marshall e Steven Lawrence.
Figurino: Lindy Hemming.
Edição: Lee Smith.
Efeitos Especiais: Double Negative / BUF / Gentle Giant Studos / New Deal Studios.
Elenco: Christian Bale (Bruce Wayne / Batman), Michael Caine (Alfred Pennyworth), Heath Ledger (Coringa), Gary Oldman (Tenente James Gordon), Aaron Eckhart (Harvey Dent / Duas-Caras), Maggie Gyllenhall (Rachel Dawes), Morgan Freeman (Lucius Fox), Eric Roberts (Salvarote Maroni), Cillian Murphy (Dr. Jonathan Crane / Espantalho), Anthony Michael Hall (Mike Engel), Monique Curnen (Detetive Ramirez), Nestor Carbonell (Prefeito), Joshua Harto (Reese), Colin McFarlane (Comissário Gillian B. Loeb), Melinda McCraw (Barbara Gordon), Nathan Gamble (James Gordon Jr.) e Michael Jai White (Jogador).

Sinopse: Após dois anos desde o surgimento do Batman (Christian Bale), os criminosos de Gotham City têm muito o que temer. Com a ajuda do tenente James Gordon (Gary Oldman) e do promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart), Batman luta contra o crime organizado. Acuados com o combate, os chefes do crime aceitam a proposta feita pelo Coringa (Heath Ledger) e o contratam para combater o Homem-Morcego.

The Dark Knight – Trailer:

Crítica:

“O Cavaleiro das Trevas” revelou-se um filme tão perfeito em sua totalidade que fica até difícil escolher por onde começo a redigir este texto. Não sei quais aspectos da obra deveria comentar primeiro, já que todos mantêm um equilíbrio tão forte entre si que torna-se praticamente impossível priorizar um. Pois é, pelo jeito terei de fazer algo que não estou nem um pouco acostumado a fazer e me render aos apelos do mainstream, ou seja, terei de começar analisando aquilo que todos almejam saber: qual Coringa é o melhor, o de Ledger ou o de Nicholson?

Incrível ver como o falecimento do ator australiano em janeiro do corrente ano colaborou, de uma maneira estranhamente macabra, para a promoção do filme. A fim de testemunhar a última atuação da carreira deste jovem grande talento do cinema contemporâneo, espectadores do mundo inteiro, mesmo os que não se mostram fãs do Homem-Morcego, fizeram filas imensas às portas dos cinemas. Até mesmo em uma roda entre cinéfilos o assunto não é outro, a não ser: o Coringa de Heath Ledger e a sua respectiva atuação. É mister, ao comentar sobre Cinema, que se mencione o nome do jovem ator talentoso falecido no intróito deste ano. Mas enfim, pondo as tergiversações de lado e respondendo à pergunta que não quer calar, o melhor coringa é o de… bem, vejamos… depende. Sim, sei muito bem que esta é a resposta de praxe de todo indivíduo que almeja “sair pela tangente” (como está sendo o meu caso agora), mas esta é a pura realidade.

Se analisarmos em termos de atuação, Ledger vence na interpretação de uma maneira geral, mas perde em termos de carisma. Contudo, devemos levar em conta que o novo Coringa está muito além de ser um vilão simpático (conforme ocorreu com o personagem de Nicholson no filme de 1989), muito pelo contrário, aqui, o roteiro almejou criar um vilão assustador, doentio, psicótico, insano ao extremo. Em outras palavras, um personagem mais plausível de ser absorvido em um contexto real (minha frase predileta), principalmente se tomarmos como cenário os Estados Unidos da América, pós 11 de setembro de 2001.

Finalizando esta analogia entre os personagens de Nicholson e Ledger, diria que se o segundo não é tão original quanto o primeiro (sim, pois este não possui as bugigangas peculiares daquele, tais como: um saquinho de dar risadas, balões cheios de gases venenosos, um tônico que estica os lábios de quem os toma, dando a impressão de que a vítima está sorrindo), ao menos ele se mostra um vilão muito mais convincente e assustador, além de possui uma carga dramática infinitamente superior àquele, o que o torna ligeiramente superior ao Coringa do filme de Tim Burton.

E quanto à atuação de Ledger, é tudo isso o que estão comentando? Bem, Ledger encarna o personagem com maestria e confere uma fortíssima carga dramática ao mesmo, mas discordo completamente do que o diretor Christopher Nolan afirmou durante uma entrevista, onde mencionava que o ator australiano faz uma atuação tão cativante quanto a que Jack Nicholson realizara em “Um Estranho no Ninho”. O ator, é claro, mostra um talento bem acima da média durante a sua composição, tornando o seu personagem ainda mais real e marcante do que ele já seria por si só.

A fim de conferir total verossimilhança ao seu Coringa, Ledger adota maneirismos que condizem plenamente com o estado psicológico do vilão, sem apelar a clichês e a trejeitos artificiais. Note, por exemplo, as alterações constantes de tom de voz do ator (fato que nos remete à lembrança de uma pessoa com forte grau de insanidade), e na dificuldade que este encontra em fixar seu olhar em um determinado objeto ou pessoa, o que indica o quão perturbado é o personagem.

Contudo, o ápice da atuação de Ledger reside quando este contracena com Christian Bale, que, por sinal, teve uma evolução artística muito notável do filme anterior, onde já havia realizado um trabalho seguro, para este segundo episódio. A seqüência em que Batman interroga o seu arqui-rival é, provavelmente, a que exige um maior esforço de Ledger, pois é durante esta parte do longa que o ator necessita mesclar loucura, medo e sarcasmo, todos os três ingredientes na medida certa, para que a composição de seu personagem soe certeira de acordo com os sentimentos que está vivenciando naquele momento.

Outro aspecto da obra que tem sido muito comentado são as ideologias de cada um dos personagens de “O Cavaleiro das Trevas” e não é para menos. Todos (todos mesmo) os personagens do filme em questão possuem uma ideologia, desde o mais revolucionário ao mais reacionário, e isto tudo torna o roteiro muito mais complexo (e falo isso positivamente, é claro). Harvey Dent (futuro Duas-Caras), por exemplo, é um promotor público conservador e que crê no sistema como um agente neutralizador do crime. Entretanto, durante o desenrolar da película, o próprio sistema em que ele tanto confiava acaba traindo-o, tirando-o tudo o que mais lhe era importante na vida e isso acaba fazendo com que ele mude completamente a sua personalidade (e vale ressaltar que o roteiro aborda tal mutação da maneira mais natural o possível).

Batman, por sua vez, segue uma ideologia que, de certa forma, se revela altamente reacionária. E é inegável que um dos maiores acertos do longa resida justamente na construção do alter ego do jovem milionário Bruce Wayne. Longe de ser um super-herói tão politicamente correto quanto o patético Superman, ou tão estoicista quanto o ótimo Homem-Aranha, Batman explicita neste longa todo o seu lado obscuro de uma maneira jamais vista anteriormente. A fim de obter informações que o levem à captura de perigosos marginais ou ao salvamento de pessoas indefesas, o cavaleiro das trevas não hesita em esmurrar a face de uma pessoa que não possua quaisquer chances de revide, ou arremessar esta mesma pessoa contra a parede, ou ainda jogar uma outra pessoa do quarto andar de um prédio quebrando-lhe as duas pernas com o único propósito de intimidá-la. Em outras palavras, o famoso super-herói (herói?) adota neste longa uma postura maquiavélica: “os fins justificam os meios”.

Outro ponto forte do caráter de Batman abordado aqui são as crises existenciais deste, posteriores a um trágico acontecimento que ocorre no início do terceiro ato da trama. E falando em terceiro ato e desenvolvimento do protagonista, a atitude (que não irei revelar qual é, por razões óbvias) que o Homem-Morcego toma no final deste longa é algo digno dos mais fortes aplausos, pois dramatiza ainda mais o personagem e a estória desenvolvida acerca deste.

E, por fim, voltemos ao Coringa. Sim, eu sei, já abordei demasiadamente este personagem no intróito deste texto, mas a verdade é que não há meios de definir e/ou descrever um personagem tão importante apenas com os adjetivos supracitados. Carregado de um forte humor negro (muito bem empregado diga-se. Notem a cena do lápis, logo no início da película) e uma dramatização intelectual de fazer inveja a qualquer vilão de histórias em quadrinhos, a caracterização do arqui-rival do Homem-Morcego pode se equiparar, sem medo de fazer analogias exageradas e/ou desmedidas, a personagens importantíssimos da história do Cinema, como por exemplo, Tyler Durden e Alex De Large. E levando-se em conta que o Coringa deste “O Cavaleiro das Trevas” se revela um verdadeiro agente do caos, a analogia entre este e os protagonistas dos sensacionais “Clube da Luta” e “Laranja Mecânica” (ambos fazem parte de meu “Top 10 – Melhores Filmes de Todos os Tempos”), torna-se mais do que pertinente.

O roteiro também acerta a mão ao não deixar claro os motivos que levam o antagonista a agir de tal modo, adotando esta filosofia anarco-niilista como estilo de vida. Ao invés de amarrar as pontas, o que soaria muito formulaíco, o roteiro brilhantemente bem escrito pelos irmãos Cristopher (que também assina como diretor da obra) e Jonathan Nolan opta por deixar que o público o faça. À primeira vista, temos a impressão de que Coringa tivera uma infância sofrida, vira o pai violentar a mãe e cortar-lhe a face com uma faca, mas a película se desenvolve e outras novas hipóteses completamente diferentes desta anterior nos são apresentadas, fazendo com que não saibamos ao certo o que o levou realmente a se tornar o que é, fato que o torna ainda mais misterioso.

A maior qualidade deste “O Cavaleiro das Trevas”, no entanto, reside no embate, tanto psicológico quanto físico, entre herói e vilão. A direção de Nolan se mostra sensível o bastante para conferir ao espectador muita tensão com tal embate desde o começo do filme, quando somos apresentados a um audacioso assalto a banco, arquitetado pelo vilão mor desta obra cinematográfica. Daí em diante, temos uma disputa entre o Homem-Morcego e seu arqui-rival que muito nos remete aos duelos travados entre personagens importantíssimos da história da Literatura, tais como Sherlock Holmes e Professor Moriart, e da história do Cinema também, como é o caso entre Vincent Hanna e Neil McCauley no interessante “Fogo Contra Fogo”.

Presenteando o público com dois personagens inteligentíssimos, o filme, como já fôra mencionado, firma seu destaque no confronto entre Batman e Coringa. Quando não contamos com as cenas de ação que, ao contrário de “Batman Begins”, são sensacionais, tensas, eletrizantes e muitíssimo bem dirigidas por Cristopher Nolan, alem, é claro, de serem regadas por uma trilha sonora fascinante que aumenta ainda mais o clima de tensão das mesmas, o roteiro nos brinda com um embate psicológico ainda mais tenso entre ambos os personagens.

O indivíduo que afirmar que o embate entre herói e vilão é não menos que sensacional deve ter a sua sanidade questionada. Não tem como não ficarmos tensos e roendo as unhas durante o filme todo (sem exagero, o clima de tensão está ali presente do primeiro ao último segundo de projeção) com cenas como a que o, desde já memorável e imortalizado, personagem de Heath Ledger arquiteta e põe em prática um assalto a banco (logo no começo da película), ou a seqüência incluída no final do longa onde ele planeja a explosão de um navio carregado de pessoas e, principalmente, a maneira como o vilão prepara a sua fuga da prisão (a propósito, se o leitor havia achado inteligentíssima a cena em que Magneto foge da prisão em “X-Men II”, prepare-se para a ainda mais inteligente e bem arquitetada fuga que Coringa realiza neste longa).

Batman também não fica muito atrás no que diz respeito à inteligência. Se por um lado o vilão tem sempre um plano mirabolante em mente, o herói possui sempre um “antídoto” para os mesmos, e o fato deste “contragolpe” nem sempre funcionar da maneira esperada, faz com que o protagonista do filme se torne mais humano, devido à sua visível e claudicante vulnerabilidade, o que não pode deixar de contar pontos para a avaliação final da película.

Por fim, como venho me acostumando ao redigir os últimos textos de minha autoria, aproveitarei este parágrafo de encerramento para condensar tudo o que fôra supracitado até então. “O Cavaleiro das Trevas” é, desde já, uma incontestável obra-prima do Cinema mundial e merece todo o sucesso que vem fazendo até o presente momento. Muito superior à grande maioria das adaptações de histórias em quadrinhos, este longa se revela uma agradabilíssima surpresa, respeitando imensamente o espectador, fugindo da grande maioria dos clichês e estereótipos do gênero e, o que é melhor, inovando o mesmo, nos apresentando a personagens completamente bem desenvolvidos pelo roteiro. A ação é estarrecedora e cresce ainda mais graças à extraordinariamente competente direção de Christopher Nolan e à cativante e tensa trilha-sonora composta magistralmente por, ninguém mais, ninguém menos, que Hans Zimmer e James Newton Howard. E mesmo com tantas qualidades visíveis e explicitadas, “O Cavaleiro das Trevas”, assim como o seu antagonista, possui uma carta na manga, que vem a ser sua maior qualidade: o embate, sobretudo psicológico, entre vilão e herói, além de nos propiciar questionamentos sobre a situação caótica que a sociedade capitalista se encontra.

Avaliação Final: 10,0 na escala de 10,0.