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Archive for the ‘Thea von Harbou’ Category

M – O Vampiro de Dusseldorf – **** de *****

O Oscar acabou e a partir de então volto, com muitíssima satisfação (e os(as) senhores(as) nem imaginam o quão gigantesca vem a ser tal satisfação), a assistir, analisar e publicar análises de filmes clássicos, sobretudo, clássicos de origem não-estadunidense. Recomeço com este “M – O Vampiro de Dusseldorf “, clássico absoluto de um dos meus cineastas prediletos, o magistral Fritz Lang. A minha intenção era recomeçar com “O Diário de um Pároco de uma Aldeia”, de Robert Bresson, cujo trabalho não confiro a um bom tempo (vergonha!), mas não encontrei este filme para locar em lugar algum. Fiquei com “M…”, que revelou-se um ótimo filme, sem dúvidas, mas se não fosse por todo o glamour que possui (afinal de contas, é o “pai” dos filmes noir e dos suspenses com assassinos seriais) certamente sua fama seria bem menor. Ah, boa notícia, consegui o VHS de “O Diário de…” com um amigo meu, terça ou quarta-feira que vem o assisto e o comento.

M – O Vampiro de Dusseldorf (M, 1.931, dirigido por Fritz Lang) – **** de *****

Crítica:

O leitor já deve ter assistido a algum(ns) filme(s) de suspense onde o assassino da trama nos é apresentado através de uma sinistra sombra projetada na parede, não? Também já deve ter assistido a algum(ns) outro(s) filme(s) de suspense onde o diretor realiza uma tomada aérea para filmar várias escadas que formam diversos quadrados simetricamente alinhados, não? Certamente já deve ter assistido a algum(ns) outro(s) filme(s) em que observamos um grupo de policiais sentados em uma mesa, discutindo um caso intrincado, enquanto soltam fumaças de cigarros e charutos com a mesmíssima frequência que fazem as chaminés de uma indústria, não? Se a resposta para todas as três perguntas (ou duas delas que seja… ou uma… tanto faz) for: sim (o que é bem provável), seria interessante que o leitor soubesse que todas as cenas previamente citadas são oriundas do clássico de Fritz Lang: “M – O Vampiro de Dusseldorf”. Aliás, não só estas cenas são originárias do filme em questão, como também o subgênero suspense serial-killer também o é. Logo, filmes como “O Silêncio dos Inocentes”, “Se7en – Os Sete Crimes Capitais”, e é claro, os clássicos de Hitchcock, nem sequer existiriam se não fosse pela obra de Lang.

E falando no maior gênio da história do Cinema alemão, não restam dúvidas de que o trunfo de “M…” reside justamente em seu trabalho como diretor. Lang capta a alma do filme, confere suspense na dose certa ao mesmo, realiza enquadramentos mais do que excelentes (vide a sequência em que o cineasta realiza uma tomada aérea e filma um grupo de pessoas cercando o assassino, antes deste enconder-se em um prédio), utiliza a técnica dos “closes in” e “closes out” magistralmente (note o modo como ele “passeia” pelo esconderijo de um grupo de bandidos enquanto estes encontram-se sentados à mesa), enfim, o filme é dois terços de Lang, ou melhor, do diretor Lang. E o outro terço? O outro terço pertence ao próprio Lang, mas o Lang roteirista, que junto de sua esposa Thea von Harbou realiza um complexo estudo sobre a mente psicótica de seu protagonista, o serial-killer alcunhado de M (aliás, a dramaticidade envolvida na cena do julgamento é algo fora do comum).

O longa falha, no entanto, por ser frio demais durante os seus dois primeiros atos. E tal frieza não seria necessariamente ruim caso “M…” mantivesse este ritmo até o final, mas não é o que acontece. Infelizmente, ao chegar em seu desfecho, o pai dos filmes noir se amedronta e tenta nos trazer um final humanista e sensibilizado demais, algo que não soa bem em uma película que demonstrou-se extremamente racional até então. Um final muito simples (coloque-se no lugar das mães e pense se você realmente tomaria tal atitude), para um filme muito complexo. De qualquer forma, “M – O Vampiro de Dusseldorf” é uma obra obrigatória na “bagagem” de qualquer pessoa que se diga cinéfila, não apenas por ser um dos principais filmes da brilhante carreira de Fritz Lang, ou por apresentar um interessantíssimo debate sobre a pena de morte, mas também por ser a grande fonte de inspiração dos suspenses sobre assassinos em série e, é claro, o berço do Cinema noir.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

Metropolis – ***** de *****

dezembro 8, 2008 Deixe um comentário
Não faz muito tempo que assisti a este “Metropolis” pela primeira vez. Foi durante umas férias de julho, em 2.006, salvo engano de minha parte. Loquei-o na vídeolocadora com grandes expectativas, afinal de contas, qual cinéfilo que se preze não gostaria de conferir a obra-prima de Fritz Lang, que é também considerada o maior marco na história do Cinema expressionista alemão? As expectativas aumentaram ainda mais quando li uma crítica afirmando que o longa possuía críticas muito bem desenvolvidas contra o Capitalismo, contra a dependência que o homem contemporâneo possui em relação às máquinas e a cruel exploração que a burguesia exerce sobre o proletariado. Enfim, é o filme que todo o cinéfilo revoltado com o sistema adoraria assistir e, no meu caso, não foi diferente, principalmente agora que o assisti pela segunda vez e pude observar a obra com um olhar ainda mais crítico.

Ficha Técnica:
Título Original: Metropolis.
Gênero: Ficção Científica.
Ano de Lançamento: 1927.
Nacionalidade: Alemanha.
Tempo de Duração: 136 minutos.
Diretor: Fritz Lang.
Roteirista: Thea von Harbou e Fritz Lang.
Elenco: Gustav Fröhlich (Freder Fredersen), Brigitte Helm (Maria / Robô), Alfred Abel (Johhah “Joh” Fredersen), Rudolf Klein-Rogge (C.A. Rotwang), Fritz Rasp (Slim), Theodor Loos (Josaphat), Heinrich George (Grot) e Erwin Biswanger (Georg).
Sinopse: Metropolis é uma cidade dividida em duas partes: a “Cidade Superior”, onde a burguesia reside, e a “Cidade dos Operários”, habitada pelo proletariado. Os habitantes da “Cidade dos Operários” têm como mentora intelectual Maria, que pede aos mesmos que não se revoltem contra a classe alta a fim de exigirem melhores condições de trabalho e o façam de um modo menos radical. Maria acaba conhecendo Freder, o filho de Joh Fredersen, um dos magnatas da cidade, e mantendo um relacionamento amoroso com este. Segundo a moça, Freder é o messias que trará esperança aos operários, contudo, o pai do rapaz decide incitar uma revolução na “Cidade dos Operários” e pede para que o cientista Rotwang crie um andróide com a mesma aparência de Maria, para que assim esta possa aconselhar os operários a se revoltarem.

Metropolis – Trailer:

Crítica:

Considerado um marco na história do Cinema mudo (e até mesmo na história do Cinema de forma geral, diga-se de passagem), “Metropolis” é, acima de tudo, uma verdadeira obra-de-arte contemporânea (expressionista, para ser mais exato) mister para todos aqueles que se dizem amantes do (bom) Cinema. Em termos de arte expressionista alemã, temos Edward Münch e sua obra-prima: o quadro “O Grito”, representando o Magnum Opus da pintura, durante esta fase da arte contemporânea. Fritz Lang e sua obra-prima, o filme “Metropolis”, porém, podem ser considerados o Magnum Opus do cinema expressionista alemão e, convenhamos, o diretor e o longa fazem jus a todo o glamour que existe por trás de ambos.

A propósito, seria mais do que justo por parte deste que vos escreve dedicar este parágrafo inteiro a fim de comentar o brilhantismo com que Lang rege sua obra por trás das câmeras. Pessoalmente, creio que a direção do alemão nesta película só não pode ser considerada superior ao trabalho que Orson Welles realizou no estupendo “Cidadão Kane”, sendo assim, encaro a mesma como a segunda melhor direção dentre as quais já tive a oportunidade de prestigiar ao longo de minha vida. O grande destaque do trabalho do diretor alemão fica por conta dos planos perfeitos que este consegue criar, tais como a cena em que ele divide a tela em várias partes e é capaz de focalizar os olhos de muitas pessoas simultaneamente, fazendo o uso de uma única tomada. Outros destaques fantásticos são: as tomadas onde Lang (com a ajuda de uma direção de Arte que vai além da perfeição) nos apresenta a uma visão panorâmica da cidade de Metropolis; as cenas em que o diretor enfoca diversas pessoas distribuídas pela tela durante vários momentos da película (e vale dizer que, para a realização da obra, foram necessários cerca de 36.000 figurantes, tamanha a grandiosidade da mesma); a maneira como as cenas da enchente, da morte dos funcionários na “Casa das Máquinas” e a clássica cena onde o protagonista Freder tem a visão da máquina como sendo um monstro que devora os pobres trabalhadores, são conduzidas pelo diretor, além de muitos outros destaques que o filme possui.

Tecnicamente falando, o longa é esplendoroso. Além de conter uma direção de arte que vai além da perfeição (assim como eu dissera no parágrafo anterior) e que nos apresenta a uma cidade futurista onde toda a sua melancolia e claustrofobia nos é demonstrada através de arranha-céus magníficos e, ao mesmo tempo, sombrios e assustadores, helicópteros voando ao redor da cidade, auto-estradas congestionadas, poluição em demasia e muito mais, “Metropolis” conta também com efeitos visuais tão fulgentes que até mesmo nos dias atuais, onde filmes como “O Senhor dos Anéis” se revelam irretocáveis neste quesito, consegue se destacar com maestria, a ponto de se revelar revolucionário mesmo após ter passado quase um século desde a sua criação.

As atuações do elenco, apesar de um tanto o quanto exaltadas durante alguns momentos (até mesmo porque é praticamente impossível os atores atuarem de outra forma, tendo em vista que o filme é mudo e a melhor maneira destes se expressarem é fazendo o uso de expressões exaltadas, como as que acontecem aqui), são todas ótimas e extremamente convincentes. A química exalada por todos os atores é cativante e o entrosamento entre estes é invejável. É o tipo de qualidade que era muito mais comum naqueles tempos, quando atores não ganhavam rios de dinheiro e faziam o seu trabalho por amor à profissão e à Arte, diferentemente do que se vê atualmente.

O roteiro, por sua vez, também é fabuloso e conta com uma dose altíssima de reflexões que o espectador poderá desfrutar durante o desenrolar da película inteira. Utilizando como pano de fundo uma estória de amor (o mocinho rico se apaixona pela mocinha pobre e o romance entre ambos é impossível graças à diferença financeira entre eles) que, atualmente, pode ser encarada como clichê, mas na época de lançamento do filme, não, o longa realiza críticas extremamente ferrenhas ao sistema capitalista, à maneira como a burguesia explora o proletariado e à total dependência do ser humano perante as máquinas.

A exploração que a burguesia realiza sobre o proletariado pode ser notada durante quase todo o filme, a começar pela brilhante idéia que Lang teve ao decidir dividir a cidade de Metropolis em duas partes: a Cidade Superior (habitada pela burguesia) e a Cidade dos Operários. Para que a primeira possa funcionar corretamente, é necessário que os operários se esgotem de cansaço e arrisquem as suas vidas trabalhando na Casa das Máquinas (situada um pouco acima da Cidade dos Operários). Enquanto isso, os burgueses passam o dia inteiro se divertindo na Cidade Superior. Não resta dúvidas de que tal metáfora é uma perfeita crítica aos burgueses, insinuando que os mesmos obtém suas vidas confortáveis às custas do labor da grande maioria da população, que além de não possuir quaisquer perspectivas de vida, são encarados como meras peças substituíveis que mantém o sistema funcionando.

E falando no sistema econômico, são claros os ataques que Lang realiza ao Capitalismo. Podemos notar facilmente o quão os poderosos de Metropolis manipulam os operários e visam, acima de tudo, obter lucros pesados à custa do trabalho destes. Como exemplo disso pode-se citar o intento do grande vilão do filme, o multimilionário Joh Fredersen (pai de Freder, protagonista da estória), que visa incitar uma revolução na Cidade dos Operários, para que estes se autodestruam. Desta forma, Fredersen poderá substituir os operários por andróides, uma vez que a produção destes se mostra muito mais proveitosa e as despesas com os mesmos se revelam bem menores. No entanto, é justo tirar a vida de milhares de seres humanos apenas para obter o máximo de lucro o possível, conforme prega o Capitalismo? Questionamentos como estes são levantados por Lang a todo o instante nesta sua obra-prima.

Quanto à relação homem-máquina, o filme não poupa esforços ao abordá-la. Em sua mais clássica cena, que trata-se da visão que o protagonista Freder tem sobre a máquina assumindo o lugar de um monstro que se alimenta de homens (no caso, os operários da cidade), “Metropolis” realiza uma das mais perfeitas metáforas que o Cinema já fez sobre a submissão humana perante os avanços tecnológicos. É a cria alimentando-se, literalmente, da carne de seus criadores. E o que dizer então dos nichos feitos pelos operários na mesma máquina supracitada a fim de mantê-la em funcionamento? À medida que tais nichos nela se alojam, percebemos que é como se os funcionários fizessem parte da máquina, como se fossem algum órgão vital desta. A partir daí, reparamos que homem e máquina estão se unindo, se tornando inseparáveis.

O final do filme é um ponto extremamente subjetivo e polêmico. Muitas pessoas (intelectuais, dentre estas) o consideram um desfecho de extrema direita, onde fica claro que a revolução esquerdista não trouxe benefício algum a nenhuma das classes envolvidas com a mesma. Outras pessoas acham que é o final que o longa realmente deveria ter, provando que a direita e a esquerda podem caminhar juntas em harmonia, contanto que haja um mediador interagindo entre ambas. Há também o grupo de indivíduos que defendem a tese de que o final mostra a extinção do totalitarismo, uma vez que o proletariado, a partir daquele instante, passaria a ter uma participação ativa no poder. Minha opinião sobre o mesmo? Fico com a segunda e a terceira hipótese juntas, mas independentemente do que Lang quis nos transmitir com a sua “moral da estória” inserida no final da trama, “Metropolis” se revela uma inquestionável obra-prima e que, de maneira simples e cativante, se revela capaz de abordar de forma magistral assuntos que permanecem em pauta até os dias atuais.

Avaliação Final: 10,0 na escala de 10,0.