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Crítica – Lavoura Arcaica

Lavoura Arcaica é sobretudo uma experiência sensorial. Diante da tarefa hercúlea de adaptar o inadaptável, Luiz Fernando Carvalho não se curvou aos desafios, tentando simplificar a linguagem complexa da obra de Raduan Nassar. Em vez disso, Carvalho dispôs-se a abraçá-los, criando assim, um filme que punge diante dos olhos, ouvidos e (por que não?) da pele, olfato e paladar do espectador.
Como a própria sinopse trata de expor, Lavoura Arcaica é uma versão ao avesso da parábola do filho pródigo. André, sufocado pela rigidez do pai, foge de casa e instala-se num quarto de pensão. Pedro, seu irmão mais velho, recebe da mãe a tarefa de trazê-lo de volta. A partir daí a história começa a ser narrada através de fluxos de consciência (flashback seria uma forma simplória demais para descrever o modo como Carvalho desenvolve a narrativa) do protagonista. Porém, mais do que a simples fuga do autoritarismo paterno, André tenta fugir de sua própria vida, do destino que lhe privou do amor de sua irmã e que o sufoca cada vez mais. Não é à toa que vemos regularmente o menino André e, posteriormente, o rapaz André enfiando os pés na terra a fim de encontrar ali refúgio daquele ambiente conservador que o rodeia. O interior vira exterior e vice-e-versa.
Aqui, as palavras parecem ter vida própria, saltam da boca das personagens direto para chocar ou reprimir. Assim como no livro, elas pulsam e, por vezes, abrem chagas incapazes de cicatrizarem-se, como na antológica cena da discussão de André com o pai ou naquela onde, após consumar o incesto, ele faz um discurso forte diante de sua irmã, Ana. Mas Carvalho não se torna refém das palavras, muito pelo contrário, o diretor usa a imagem como elemento fundamental desta narrativa e o faz de forma tão brilhante que, não raramente, dispensa as palavras; como na cena inicial onde vemos André semi nu entre gemidos de dor e prazer e, ao fundo, um barulho de trem. Não precisamos de palavras para deduzi que ele é um indivíduo em fuga e com conflitos sexuais; ou a cena em que a mãe o acorda com carícias que transbordam a tela num jorro de luz, as palavras são desnecessárias, as imagens falam por si.
Dessa forma, não foi à toa que afirmei que este filme é uma experiência sensorial, cada elemento seu assume vida própria e, juntos, combinam-se para formar um filme contundente e radical. A fotografia excepcional de Walter Carvalho flui de modo hipnotizante, mergulhando o espectador não apenas no clima da cena, mas principalmente na psique das personagens. Por vezes, a vista fica embaçada diante da luz pungente de uma cena e logo em seguida as pupilas se dilatam no quadro iluminado apenas por uma lamparina. A trilha sonora que utiliza suspiros e gemidos das personagens ou ruídos dos ambientes potencializa de forma perfeita as soberbas atuações de todo o elenco; do comovente desempenho de Juliana Carneiro da Cunha, passando pela atuação áspera de Raul Cortez, a rebeldia naturalista do André de Selton Mello à arrebatadora performance de Simone Spoladore.
Uma das grandes revelações do filme, Simone, mesmo sem dizer uma palavra durante toda a projeção, é um dos pontos altos do longa; uma atriz que interpreta com os olhos, com o corpo, é impossível ficar imune a sua presença em cena. Spoladore é uma força da natureza, e a cena final em que ela dança numa festa é impressionante.
Um filme tão forte só poderia contar com uma direção idem. Luiz Fernando Carvalho conduz a narrativa de maneira primorosa; seus enquadramentos transportam-nos para dentro do filme. Quando André cheira as peças íntimas das suas irmãs, é como se nós sentíssemos o mesmo aroma que ele; quando enfia os pés na terra, podemos sentir a areia úmida e fofa penetrar entre nossos dedos, quando ele e Ana se amam na casa abandonada, somos capazes de sentir o toque aveludado da pele da irmã. Mas ao contrário do que muitos afirmam isso não é simples preciosismo. Nenhuma imagem é bela em sua essência sem que se encaixe como peça fundamental do enredo. E se retirássemos esse dito preciosismo do filme seria o mesmo que tirar as asas de um pássaro.
Sinceramente, não sei se é exagero afirmar que Lavoura Arcaica é o melhor filme brasileiro de todos os tempos, até porque palavras são insuficientes e precárias para descrevê-lo. Mas não custa nada repetir que este filme é uma obra-prima do cinema nacional e mundial.

Avaliação Final: ***** (5 estrelas na escala de 5).

Crítica – Lavoura Arcaica

dezembro 24, 2007 11 comentários

Decidi assistir a este filme principalmente pela recomendação de um amigo virtual meu. Contudo, o meu cotidiano não me dá o privilégio de poder assistir a vários filmes por semana, muito menos a filmes que contém com aproximadamente 170 minutos de duração, tais como este. Para resolver tal problema, esperei chegar às férias, criei coragem e honrei, ainda que extremamente tarde, a dívida que tinha com o meu amigo. Ah sim, o filme… apesar de extremamente longo, “Lavoura Arcaica” conta com um protagonista com o qual me relacionei muito, pois o mesmo, além de utilizar a natureza como forma de escapismo de seu cotidiano enfadonho, gera inúmeras discussões com a família e vive em constante crise existencial (só quero frisar que nunca me apaixonei por nenhuma parente minha, como ocorre neste longa).

Título Original: Lavoura Arcaica
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 163 minutos
Ano de Lançamento (Brasil):
2001
Site Oficial: http://www.lavouraarcaica.com.br/
Estúdio: VideoFilmes
Distribuição: Riofilme
Direção: Luiz Fernando Carvalho
Roteiro: Luiz Fernando Carvalho, baseado em livro homônimo escrito por Raduan Nassar.
Produção: Luiz Fernando Carvalho
Música: Marco Antônio Guimarães
Fotografia: Walter Carvalho
Desenho de Produção:
Direção de Arte: Yurika Yamasaki
Figurino: Beth Filipecki
Edição: Luiz Fernando Carvalho
Elenco: Selton Mello (André), Leonardo Medeiros (Pedro), Simone Spoladore (Ana), Raul Cortez (Pai), Juliana Carneiro da Cunha (Mãe), Pablo César Câncio (André Criança), Mônica Nassif, Christiana Kalache, Caio Blat (Lula), Renata Rizek, Leda Samara Antunes e muitos outros.

Sinopse: André (Selton Mello) é um filho desgarrado, que saiu de casa devido à severa lei paterna e o sufocamento da ternura materna. Pedro, seu irmão mais velho, recebe de sua mãe a missão de trazê-lo de volta ao lar. Cedendo aos apelos da mãe e de Pedro, André resolve voltar para a casa dos seus pais, mas irá quebrar definitivamente os alicerces da família ao se apaixonar por sua bela irmã Ana.

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Crítica:

Assim como ocorre no perfeito “Persona” de “Ingmar Bergman” para se compreender o que este sensacional “Lavoura Arcaica” almeja transmitir ao espectador é necessário que o mesmo entenda o porquê de seu título ser este. Lavoura vem a ser uma metáfora ao contato do ser humano com a natureza (aqui, no caso, o desejo sexual principalmente) e Arcaica representa o conservadorismo e o estoicismo em sua forma rígida, embora inocente. Unindo as duas metáforas temos então um estudo sobre ambas as polaridades e o filme utiliza como pano de fundo para isso a entidade familiar. Aqui, temos como protagonistas do longa os membros de uma típica família, cujo pai conservador e a mãe deveras protetora são a razão para que o filho, antes taciturno agora rebelde, abandone o lar, em busca de uma vida que sacie de vez o sentimento mais libertino que um sujeito pode sentir: o incontrolável desejo sexual. O interessante é que, por trás de tantos fortíssimos contrastes, encontramos a direção extremamente sensível e leve de “Luiz Fernando Carvalho”. A propósito, tal sensibilidade e leveza na direção me fez lembrar muito do trabalho de “Stanley Kubrick” no excelente “Barry Lyndon” e aqueles que me conhecem como cinéfilo a um certo tempo sabem muito bem que não há maior elogio que eu possa fazer a uma obra cinematográfica do que compará-la a dois dos melhores trabalhos dentre meus cineastas prediletos: “Bergman” e “Kubrick”. Aliás, já que mencionei “Barry Lyndon”, lembro-me muito bem que ao criticar aquela obra havia mencionado o quão difícil era ter de decidir se a mesma era Poesia em forma de Cinema ou Pintura em forma de Cinema, mas que no final das contas acabei ficando com a segunda opção. Neste longa brasileiro magistralmente protagonizado por “Selton Mello” devo optar pela primeira alternativa, pois o filme em questão é uma verdadeira poesia transportada à Sétima Arte. O longa só não é perfeito pois acaba se estendendo bem mais do que deveria, tornando-se desnecessariamente cansativo (sei que isto é um modo supérfluo de se apontar falhas em um filme, mas foi exatamente o que senti).

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.

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