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Je Vous Salue, Marie – **** de *****

Como todo e qualquer fã incondicional de Jean-Luc Godard, sempre que vejo toda e qualquer obra que esteja direta ou indiretamente ligada ao nome do cineasta e que esteja sendo comercializada, não penso duas vezes: abro a carteira, pego o cartão de crédito e adquiro tal bem material. Definitivamente, não há melhor forma de um cinéfilo pseudo-intelectual (bem como este que vos escreve) gastar o pouco dinheiro que possui com outra coisa que não seja um filme de Jean-Luc Godard. É como um programador especializado na linguagem de programação C++ gastar parte de seu patrimônio para adquirir o livro “Progamando em C++ – A Bíblia” de Kris Klander e Lars Jamsa, ou como uma “patricinha” burra, fútil e inútil (assim como todas elas, sem exceção, o são) torrar parte de seu patrimônio, ou melhor, parte do patrimônio do papai ou da mamãnio do papai, ou dependendo do caso, da mamegar o cart ao nome do cineastame do cineastae, dependendo do caso, com uma calça da Diesel Female. Por este motivo, ao ver o DVD de “Je Vous Salue Marie” sendo vendido pela irrisória quantia de R$ 12,90, não resisti à tentação e o adquiri sem pensar duas vezes. Oras, além de ser um filme de, ninguém mais, ninguém menos que, Jean-Luc Godard, é uma obra polêmica que provocou a ira de muitos cristãos (e o que pode ser mais cativante para um cinéfilo agnóstico, como é o meu caso, do que conferir uma obra cinematográfica que alarmou a Igreja e a mídia da época?). Todavia, ao terminar de assistir ao filme, inferi que o mesmo, assim como “A Última Tentação de Cristo”, era uma ótima obra cinematográfica, mas que não fazia jus a toda a polêmica que causou, conforme podemos conferir mais abaixo.

Ficha Técnica:
Título Original: Je Vous Salue, Marie.
Gênero: Drama.
Tempo de Duração: 75 minutos.
Ano de Lançamento: 1985.
País de Origem: França / Reino Unido / Suiça.
Direção: Jean-Luc Godard.
Roteiro: Jean-Luc Godard.
Elenco: Myriem Roussel (Maria), Thierry Rode (José), Johan Leysen (Professor de Ciências), Anne Gautier (Eva), Philippe Lacoste (Arcanjo Gabriel), Manon Andersen (A Menina), Malachi Jara Kohan (Jesus Cristo), Juliette Binoche (Juliette), Dick (A Criança) e Rapaz na Sala de Espera (Serge Musy).

Sinopse: Godard realiza aqui uma readaptação da concepção da Virgem Maria (Myriem Roussel) moldada nos dias atuais. Ao contrário da Maria bíblica, a protagonista deste filme é uma jovem comum, que joga basquete e trabalha no auto-posto de seu pai. A garota namora José (Thierry Rode), um taxista que, ao saber que a sua parceira está grávida, a acusa de traição, pois eles jamais mantiveram conjunções carnais entre si. O Anjo Gabriel (Philippe Lacoste), no entanto, se esforça para persuadir José de que Maria não o traiu, e que a mesma continua virgem e carrega consigo o filho de Deus. Paralelamente a esta trama, é narrada a estória de um professor (Johan Leysen) que mantém um caso de amor com a sua aluna Eva (Anne Gautier) e passa a discutir com a mesma a origem da vida na Terra.

Je Vous Salue, Marie – Trailer:

Crítica:

Por mais que tente, não consigo idolatrar os ‘Godard’ da década de 1.980. Adoro incondicionalmente os seus filmes produzidos durante a década de 1.970 e, principalmente, os abrolhados durante a década de 1.960 (tanto que “Acossado” figura facilmente entre meus três filmes prediletos), mas dentre as produções mais atuais que dirigiu, nenhuma consegue agradar-me por completo, o que inclui até mesmo este “Je Vous Salue, Marie”. A impressão que fica é a de que o cineasta francês, após ter contribuído imensamente para a solidificação da Nouvelle Vague, decidiu inovar cada vez mais, a ponto de se ver obrigado, a cada filme que realiza, estar sempre inventando moda. É como se Godard se visse forçado a se reinventar a cada novo trabalho, adotando então maneirismos deveras desnecessários para tal.

Assim como na grande maioria de seus filmes oitentistas, em “Je Vous Salue, Marie” Godard explicita uma necessidade exacerbada e desnecessária de querer se auto-afirmar como gênio (seria um complexo de inferioridade característico dos artistas?), algo que ele já provou ser através de seus trabalhos sessentistas. Não que a sua direção aqui seja ruim, muito pelo contrário, é fantástica como sempre, mas não resta dúvidas de que a abundância de maneirismos empregados pelo gênio francês atrapalha consideravelmente no resultado final da obra.

Ao mesmo tempo em que posicionar a câmera apropinquada e fixamente à nuca de uma pessoa, enquanto esta assiste a uma aula de ciências, se mostra uma tática um tanto o quanto inteligente de fazer com que o espectador se sinta sentado exatamente atrás da moça, fazer cortes a todo o instante utilizando telas inteiramente negras com os dizeres: “En Ce Temps Lá” (“Naquela época”, em português) revela-se uma tentativa um tanto o quanto desesperada, desnecessária e carregada de alarde de se reinventar.

Mas e quanto a toda polêmica em volta do filme em questão? Mera neurose propagada pela mídia alarmista, pela Igreja conservadora e pela censura néscia daquela época. Não há nada de controverso na obra em si, salvo as excessivas cenas de nudez exibidas durante a sua projeção, mas nada que acabe justificando, de fato, toda a inquietação feita em cima da produção. Em momento algum notamos uma tentativa de ofender as crenças católicas. Também não podemos presenciar a suposta ode que o grande gênio da cinematografia francesa realizou ao cristianismo aqui (conforme muitos críticos alegam) pelo simples fato dele não ter realizado ode alguma (ou será que as pessoas que defendem tal tese (incluindo o Papa João Paulo II, pessoa a qual respeito muito) esqueceram-se de que Godard tem uma leve inclinação ao ateísmo (não tanto o quanto Federico Fellini, Ingmar Bergman, Marlon Brando e Luís Buñuel tinham, mas enfim…)?).

Pois se “Je Vous Salue, Marie” é um filme que nada tem de polêmico e não tece criticas, nem elogios, ao cristianismo, o que faz dele uma obra digna de ser assistida e venerada? Uma única palavra: versatilidade. Godard transfere para as telonas (e graças ao recente lançamento em DVD: para as telinhas também) uma original readequação do magnum opus da história do cristianismo: o nascimento de seu mártir. Como ele seria se fosse readaptado aos dias atuais? Como seria José? Como seria o Anjo Gabriel? Como seriam os três reis magos? E, acima de tudo, como seria Maria? Como seria a Maria moderna, em uma época onde carregar consigo uma missão divina consiste em um desafio ainda maior do que há dois mil anos atrás, uma vez que, atualmente, manter um perfeito equilíbrio entre corpo e alma torna-se cada vez mais difícil?

Mas não apenas o dogma mor do cristianismo é ilustrado aqui, como também o axioma absoluto adotado pela ciência cética, ou seja, o caminho percorrido através de métodos empíricos e/ou filosóficos que levem os pesquisadores a alcançar resultados cada vez mais concretos que se revelam capazes de derrubar definitivamente as teorias criacionistas. Assim como Godard realiza um complexo estudo sobre o nascimento de Cristo adaptado aos dias atuais, ele o faz de forma ainda mais perfeita quando opta por abordar (magistralmente, diga-se) uma subtrama dotada dos mais bem argumentados diálogos filosóficos e que é protagonizada por um professor de ciências (que crê na hipótese de nós, seres humanos, sermos descendentes de alienígenas) e sua aluna (e o fato do nome desta ser Eva, definitivamente, não se trata de mera coincidência), com a qual mantém um caso de amor secreto.

Em suma, ignore toda a polêmica envolvendo “Je Vous Salue, Marie”, pois trata-se de muitos relâmpagos para pouca tempestade. O filme é, na realidade, uma excelente abordagem contemporânea dos dois mais elevados pontos defendidos pela Igreja e pela Ciência: o nascimento de Cristo, por parte da primeira, e os métodos empíricos, adotados pela segunda, a fim de tornar obsoletas as teorias criacionistas. A fita é ótima e, não fosse por alguns maneirismos adotados por Godard a fim de, desnecessariamente, se auto-afirmar como um verdadeiro gênio da história do Cinema, o resultado final teria sido ainda mais completo do que realmente foi.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

Je Vous Salue, Marie – **** de *****

maio 6, 2009 1 comentário
Como todo e qualquer fã incondicional de Jean-Luc Godard, sempre que vejo toda e qualquer obra que esteja direta ou indiretamente ligada ao nome do cineasta e que esteja sendo comercializada, não penso duas vezes: abro a carteira, pego o cartão de crédito e adquiro tal bem material. Definitivamente, não há melhor forma de um cinéfilo pseudo-intelectual (bem como este que vos escreve) gastar o pouco dinheiro que possui com outra coisa que não seja um filme de Jean-Luc Godard. É como um programador especializado na linguagem de programação C++ gastar parte de seu patrimônio para adquirir o livro “Progamando em C++ – A Bíblia” de Kris Klander e Lars Jamsa, ou como uma “patricinha” burra, fútil e inútil (assim como todas elas, sem exceção, o são) torrar parte de seu patrimônio, ou melhor, parte do patrimônio do papai ou da mamãnio do papai, ou dependendo do caso, da mamegar o cart ao nome do cineastame do cineastae, dependendo do caso, com uma calça da Diesel Female. Por este motivo, ao ver o DVD de “Je Vous Salue Marie” sendo vendido pela irrisória quantia de R$ 12,90, não resisti à tentação e o adquiri sem pensar duas vezes. Oras, além de ser um filme de, ninguém mais, ninguém menos que, Jean-Luc Godard, é uma obra polêmica que provocou a ira de muitos cristãos (e o que pode ser mais cativante para um cinéfilo agnóstico, como é o meu caso, do que conferir uma obra cinematográfica que alarmou a Igreja e a mídia da época?). Todavia, ao terminar de assistir ao filme, inferi que o mesmo, assim como “A Última Tentação de Cristo”, era uma ótima obra cinematográfica, mas que não fazia jus a toda a polêmica que causou, conforme podemos conferir mais abaixo.

Ficha Técnica:
Título Original: Je Vous Salue, Marie.
Gênero: Drama.
Tempo de Duração: 75 minutos.
Ano de Lançamento: 1985.
País de Origem: França / Reino Unido / Suiça.
Direção: Jean-Luc Godard.
Roteiro: Jean-Luc Godard.
Elenco: Myriem Roussel (Maria), Thierry Rode (José), Johan Leysen (Professor de Ciências), Anne Gautier (Eva), Philippe Lacoste (Arcanjo Gabriel), Manon Andersen (A Menina), Malachi Jara Kohan (Jesus Cristo), Juliette Binoche (Juliette), Dick (A Criança) e Rapaz na Sala de Espera (Serge Musy).

Sinopse: Godard realiza aqui uma readaptação da concepção da Virgem Maria (Myriem Roussel) moldada nos dias atuais. Ao contrário da Maria bíblica, a protagonista deste filme é uma jovem comum, que joga basquete e trabalha no auto-posto de seu pai. A garota namora José (Thierry Rode), um taxista que, ao saber que a sua parceira está grávida, a acusa de traição, pois eles jamais mantiveram conjunções carnais entre si. O Anjo Gabriel (Philippe Lacoste), no entanto, se esforça para persuadir José de que Maria não o traiu, e que a mesma continua virgem e carrega consigo o filho de Deus. Paralelamente a esta trama, é narrada a estória de um professor (Johan Leysen) que mantém um caso de amor com a sua aluna Eva (Anne Gautier) e passa a discutir com a mesma a origem da vida na Terra.

Je Vous Salue, Marie – Trailer:

Crítica:

Por mais que tente, não consigo idolatrar os ‘Godard’ da década de 1.980. Adoro incondicionalmente os seus filmes produzidos durante a década de 1.970 e, principalmente, os abrolhados durante a década de 1.960 (tanto que “Acossado” figura facilmente entre meus três filmes prediletos), mas dentre as produções mais atuais que dirigiu, nenhuma consegue agradar-me por completo, o que inclui até mesmo este “Je Vous Salue, Marie”. A impressão que fica é a de que o cineasta francês, após ter contribuído imensamente para a solidificação da Nouvelle Vague, decidiu inovar cada vez mais, a ponto de se ver obrigado, a cada filme que realiza, estar sempre inventando moda. É como se Godard se visse forçado a se reinventar a cada novo trabalho, adotando então maneirismos deveras desnecessários para tal.

Assim como na grande maioria de seus filmes oitentistas, em “Je Vous Salue, Marie” Godard explicita uma necessidade exacerbada e desnecessária de querer se auto-afirmar como gênio (seria um complexo de inferioridade característico dos artistas?), algo que ele já provou ser através de seus trabalhos sessentistas. Não que a sua direção aqui seja ruim, muito pelo contrário, é fantástica como sempre, mas não resta dúvidas de que a abundância de maneirismos empregados pelo gênio francês atrapalha consideravelmente no resultado final da obra.

Ao mesmo tempo em que posicionar a câmera apropinquada e fixamente à nuca de uma pessoa, enquanto esta assiste a uma aula de ciências, se mostra uma tática um tanto o quanto inteligente de fazer com que o espectador se sinta sentado exatamente atrás da moça, fazer cortes a todo o instante utilizando telas inteiramente negras com os dizeres: “En Ce Temps Lá” (“Naquela época”, em português) revela-se uma tentativa um tanto o quanto desesperada, desnecessária e carregada de alarde de se reinventar.

Mas e quanto a toda polêmica em volta do filme em questão? Mera neurose propagada pela mídia alarmista, pela Igreja conservadora e pela censura néscia daquela época. Não há nada de controverso na obra em si, salvo as excessivas cenas de nudez exibidas durante a sua projeção, mas nada que acabe justificando, de fato, toda a inquietação feita em cima da produção. Em momento algum notamos uma tentativa de ofender as crenças católicas. Também não podemos presenciar a suposta ode que o grande gênio da cinematografia francesa realizou ao cristianismo aqui (conforme muitos críticos alegam) pelo simples fato dele não ter realizado ode alguma (ou será que as pessoas que defendem tal tese (incluindo o Papa João Paulo II, pessoa a qual respeito muito) esqueceram-se de que Godard tem uma leve inclinação ao ateísmo (não tanto o quanto Federico Fellini, Ingmar Bergman, Marlon Brando e Luís Buñuel tinham, mas enfim…)?).

Pois se “Je Vous Salue, Marie” é um filme que nada tem de polêmico e não tece criticas, nem elogios, ao cristianismo, o que faz dele uma obra digna de ser assistida e venerada? Uma única palavra: versatilidade. Godard transfere para as telonas (e graças ao recente lançamento em DVD: para as telinhas também) uma original readequação do magnum opus da história do cristianismo: o nascimento de seu mártir. Como ele seria se fosse readaptado aos dias atuais? Como seria José? Como seria o Anjo Gabriel? Como seriam os três reis magos? E, acima de tudo, como seria Maria? Como seria a Maria moderna, em uma época onde carregar consigo uma missão divina consiste em um desafio ainda maior do que há dois mil anos atrás, uma vez que, atualmente, manter um perfeito equilíbrio entre corpo e alma torna-se cada vez mais difícil?

Mas não apenas o dogma mor do cristianismo é ilustrado aqui, como também o axioma absoluto adotado pela ciência cética, ou seja, o caminho percorrido através de métodos empíricos e/ou filosóficos que levem os pesquisadores a alcançar resultados cada vez mais concretos que se revelam capazes de derrubar definitivamente as teorias criacionistas. Assim como Godard realiza um complexo estudo sobre o nascimento de Cristo adaptado aos dias atuais, ele o faz de forma ainda mais perfeita quando opta por abordar (magistralmente, diga-se) uma subtrama dotada dos mais bem argumentados diálogos filosóficos e que é protagonizada por um professor de ciências (que crê na hipótese de nós, seres humanos, sermos descendentes de alienígenas) e sua aluna (e o fato do nome desta ser Eva, definitivamente, não se trata de mera coincidência), com a qual mantém um caso de amor secreto.

Em suma, ignore toda a polêmica envolvendo “Je Vous Salue, Marie”, pois trata-se de muitos relâmpagos para pouca tempestade. O filme é, na realidade, uma excelente abordagem contemporânea dos dois mais elevados pontos defendidos pela Igreja e pela Ciência: o nascimento de Cristo, por parte da primeira, e os métodos empíricos, adotados pela segunda, a fim de tornar obsoletas as teorias criacionistas. A fita é ótima e, não fosse por alguns maneirismos adotados por Godard a fim de, desnecessariamente, se auto-afirmar como um verdadeiro gênio da história do Cinema, o resultado final teria sido ainda mais completo do que realmente foi.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois – ***** de *****

Quando escrevi a pré-crítica do ótimo “Rocco e Seus Irmãos”, comentei que o Cinema Italiano era, ao meu ver, o segundo melhor Cinema existente. Contudo, esqueci de dizer qual era o Cinema que, definitivamente, mais me agradava. Pois respondo agora mesmo, o Cinema que mais me agrada é, inquestionavelmente, o Cinema Francês. Se a sétima Arte produzida na França contasse apenas com Jean-Luc Godard, creio que já poderia se declarar o melhor Cinema existente no mundo inteiro, agora, imaginem somar Godard com François Truffaut, Jean Renoir, Robert Bresson, Claude Chabrol, Jean Vigo, Roman Polanski, Eric Rohmer, Michel Gondry, Alain Resnais, François Ozon, Louis Malle, Gaspar Noé e muitos outros? Pois é, não restam dúvidas de que o Cinema Francês é muito rico mesmo, e enriqueceu-se ainda mais durante o clássico período alcunhado de Nouvelle Vague. E falando em Nouvelle Vague, sabiam que nunca havia assistido a este “Jules & Jim”, um dos maiores representantes da mais gloriosa era do Cinema Francês? Pois é, reparado esse terrível erro de minha parte, vamos à crítica da obra-prima de Truffaut.

Ficha Técnica:
Título Original: Jules et Jim.
Gênero: Drama.
Tempo de Duração: 104 minutos.
Ano de Lançamento: 1962.
País de Origem: França.
Direção: François Truffaut.
Roteiro: François Truffaut e Jean Gruault, baseado em livro de Henri-Pierre Roché.
Elenco: Jeanne Moreau (Catherine), Oskar Werner (Jules), Henri Serre (Jim), Vanna Urbino (Gilberte), Boris Bassiak (Albert), Anny Nelsen (Lucie), Sabine Haudepin(Sabine), Marie Dubois (Therese), Christiane Wagner (Helga) e Michel Subor (Narrador).

Sinopse: Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre) são dois jovens boêmios e intelectuais que vivem em Paris durante a Belle Époque. A vida de ambos ganha uma injeção de ânimo ainda maior quando Catherine (Jeanne Moreau), uma jovem libertária, revolucionária, contestadora, inconsequente e impetuosa os conhece. Os três formam um grupo inseparável que passa boa parte do tempo indo ao teatro, realizando passeios ciclísticos e frequentando a praia local. Dá-se início à Primeira Guerra Mundial, Jules se vê obrigado a sair da França e defender a sua terra natal, mas casa-se com Catherine antes. Terminada a guerra, Jim vai visitar os dois amigos e vê que ambos formaram uma família bem sucedida. Mas o tempo passa e o francês se dá conta de que os dois não são tão felizes quanto pensava, uma vez que Catherine é uma jovem feminista ferrenha e acredita que o amor é curto. Logo, a garota passa a trair Jules constantemente, achando que trata-se de uma atitude normal. Jules não se importa com isso, contenta-se apenas com a presença da esposa, sem se preocupar com a fidelidade por parte da mesma. As coisas mudam completamente de figura quando Catherine passa a amar Jim, e o sentimento torna-se recíproco, nascendo aí um triângulo amoroso altamente explosivo.

Jules et Jim – Trailer:

Crítica:

É interessante que, antes de assistir a este “Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois”, o último filme por mim conferido tenha sido “Acossado” de Jean-Luc Godard (e aconselho que o(a) leitor(a) o faça da mesma forma, assista à obra-prima de Godard e, logo me seguida, assista a obra-prima de Truffaut, e quando tiver acabado, entenderá o porquê de meu conselho), pois ambos tem muito em comum.

Além de serem dois dos maiores representantes da Nouvelle Vague, também contam com o “amor” como grande protagonista da trama. Entretanto, ambas as obras abordam tal sentimento de formas extremamente diferentes, sendo que o longa de Godard estabelecia um panorama sobre o amor entre duas pessoas completamente diferentes, ao contrário do longa de Truffaut, que o faz em cima de vários indivíduos com muitas características em comum.

O filme começa com uma citação que o resume muito bem. Catherine, a protagonista, diz: “Você disse: “eu te amo”, eu disse: “espere”, eu disse: “sou sua” e você disse: vá embora”. Neste curto diálogo podemos prever que o longa trata de pessoas que amam, mas não suportam vivenciarem tal amor de forma completa. É como se o mesmo as enjoasse, as entediasse, e perdesse toda a magia e o charme inicial com o decorrer de um curto período de tempo. X ama Y, Y pede a X um tempo para pensar, Y decide então aceitar o amor de X, e quando X passa a se relacionar afetivamente com Y, ele já não sabe mais se ama o parceiro. Complexo? E como.

É nesta amálgama amorosa que o roteiro assinado por François Truffaut e Jean Gruault, baseados no romance autobiográfico de Henri-Pierre Roché, tece o seu trio de personagens principais. Adotando inicialmente uma narrativa abrupta e efêmera, assim como muitos exemplares da Nouvelle Vague o fizeram, “Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois” nos introduz logo de cara, e sem quaisquer delongas, à amizade entre os personagens título. Passamos a saber, logo no início da projeção, que ambos tornaram-se amigos fantasiando-se para um baile, e pronto, isso já basta. Não é necessária uma abordagem mais ampla de como ambos se conheceram, isso seria perda de tempo.

Jules é um austríaco que, ao lado do francês Jim, nutre uma paixão incondicional pela Arte. Ambos passam os seus vinte e poucos anos de idade aproveitando a vida ao máximo, fazendo tudo o que os demais jovens aristocratas poderiam fazer na Paris dos últimos anos da Belle Époque. O desenvolvimento diegético de ambos passa a fazer mais sentido e descobrimos então a verdadeira razão da existência da amizade entre os protagonistas. Os dois estão fortemente ligados aos prazeres da boemia e ao estudo da Arte, e isso já basta para que o apego entre ambos nos cative definitivamente, justificando o início súbito do filme.

A amizade entre eles ganha força máxima com a inclusão de Catherine na trama. Assim como Jules tornou-se amigo de Jim ao acaso, o mesmo ocorre com a personagem magistralmente encarnada pela excelente Jeanne Moreau. A primo, Catherine surge como um amálgama entre os dois amigos. A garota, até então depressiva, completa e, ao mesmo tempo, é completada pela alegria dos personagens-título. Os jovens, que já seguiam um estilo de vida hedonista, e com ligeiras pinceladas epicuristas, ganham características ainda mais joviais quando se encontram ao lado da moça.

Mas tudo o que é belo tem o seu fim. Chega a Primeira Grande Guerra e, com ela, surge uma vírgula que interrompe a amizade de ambos. Jules é desterrado da França para lutar pelo seu país. Notamos então que os sentimentos de ambos são realmente verdadeiros, pois um prefere mil vezes a própria morte a ter de aniquilar o outro em campo de batalha.

A guerra acaba. Jim visita Jules, que encontra-se casado com Catherine e, em uma primeira vista, julga que ambos formaram um casal feliz, construíram uma excelente cabana em uma bela fazenda e tiveram uma filha encantadora. Eles tem tudo para ser uma família afortunada, mas não são. Por quê? Em face do gênio impetuoso e libertário de Catherine.

Jules ama a imagem que criou em cima da moça, mas não nutre por ela um sentimento tão intenso quando esta se encontra a sua frente. Catherine já é uma jovem demasiada feminista e libertária. Ela é a personificação da década de 1.920, uma feminista insanável. É extremamente ‘saidinha’, como diriam os mais velhos. A personagem de Jeanne Moreau é adepta ferrenha do amor livre, do amor anárquico, do amor rotativo. Para ela, o verdadeiro amor existe, de fato, mas tem uma chama muito curta e pode ser facilmente apagado.

Eis que Jim volta à sua vida. O francês passa a amá-la, mas respeita o amigo. Jules, no entanto, desconfia, e pede ao amigo que case-se com a sua esposa, pois apenas desta forma ele poderá vê-la todos os dias, já que o austríaco não consegue disponibilizar a esta todo o amor necessário (se é que realmente existe algum), ele confessa que contenta-se apenas com a presença diária de Catherine. Jules permite então que o amigo francês e a ex-esposa mantenham conjunção carnal em sua própria morada, debaixo de seu próprio nariz.

Seria ele um (com o prévio perdão pela expressão vulgar) “corno manso”? Ou quem sabe um voyeur. Não, nem um, nem outro. Jules, como já fora dito, ama apenas a imagem que criou sobre Catherine, e talvez nem ame a pessoa Catherine, apesar de não conseguir viver afastado da mesma. Para ele não consiste uma traição ver as duas pessoas a que mais ama manterem um relacionamento afetivo dentro de sua própria casa, e com o seu próprio aval. Mas aos poucos Jim também passa a sentir que já não ama Catherine com a mesma magnitude que amava outrora e tal sentimento é recíproco.

E é aí que o vai-e-vem amoroso começa tudo de novo. Os desconexos sentimentos afetivos tomam conta da película mais uma vez (se é que deixaram de tomar conta da mesma durante algum instante) e nos vemos novamente diante de um relacionamento que mais parece ter ocorrido em meio a uma comunidade hippie. E falando em comunidades hippies, não é de se estranhar a coincidência de “Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois” ter sido lançado justamente nos anos 1.960, juntamente com o surgimento destes movimentos da contracultura, já que eles também pregavam a mesma forma alternativa de amor.

É através da utilização de uma direção bastante autoral, repleta de travelings curtos e rápidos, cortes dinâmicos, e de enquadramentos que exploram ao máximo a beleza natural de suas locações, bem como de sua fotografia, que Truffaut filma “Jules & Jim – Uma Mulher Para Dois” realizando um complexo estudo de personagens que amam de forma doentia, e deixam de amar de forma ainda mais doentia.

Não é o melhor exemplar que a Nouvelle Vague pode nos oferecer, pois perde de longe para “Acossado”, mas é uma obra-prima incontestável. Um marco na sétima Arte.

Avaliação Final: 10,0 na escala de 10,0.

Acossado – ***** de *****

Havia prometido adotar recentemente uma escrita bem mais resumida, não? Sim, e sejamos francos, estava cumprindo tal promessa, não estava? Mas e quando o objeto da análise tratar-se de um de meus três filmes prediletos? Como continuar cumprindo tal promessa e utilizar um texto curtíssimo para resumir um filme que tem tanta coisa a dizer, como é o caso de “Acossado”? Como resumir em poucas palavras toda a idolatria que nutro pela obra-prima de Jean-Luc Godard? Impossível. Ou melhor, impossível não é, já que resenhei o meu filme predileto em apenas minúsculas 25 linhas de texto, mas confesso que senti-me extremamente mal por resumir toda a obra-prima de Francis Ford Coppola em tão poucas palavras. Não farei o mesmo com “Acossado” e, portanto, preparem-se (caso se interessem pela leitura do artigo infra) para uma redação bem longa, recheada de fanatismo, mas bastante detalhada e feita com muita paixão.


Ficha Técnica:
Título Original: À Bout de Souffle.
Gênero: Romance / Policial.
Tempo de Duração: 87 minutos.
Ano de Lançamento: 1960.
País de Origem: França.
Direção: Jean-Luc Godard.
Roteiro: Jean-Luc Godard, baseado em estória de François Truffaut.
Elenco: Jean-Paul Belmondo, (Michael Poiccard), Jean Seberg (Patricia Franchisi), Daniel Boulanger (Inspetor de polícia), Jean-Pierre Melville (Parvulesco), Henri-Jacques Huet (Antonio Berrutti), Van Doude (Jornalista), Claude Mansard (Claudius Mansard), Jean-Luc Godard (Informante), Richard Balducci (Tolmatchoff) e Roger Hanin (Cal Zombach).

Sinopse: Após furtar um carro e, na fuga, matar um policial, Michel (Jean-Paul Belmondo) parte para Paris a fim de recuperar o dinheiro que um indivíduo está lhe devendo e propor à sua amante Patricia (Jean Seberg), uma jovem estadunidense aspirante a jornalista, que viaje com ele para a Itália. Enquanto tenta persuadir a garota e encontrar o homem que lhe deve o dinheiro, Michel perde o senso da realidade e comete alguns delitos pela cidade, mesmo sendo procurado incansavelmente pela polícia, em razão do assassinato que cometera há pouco.

À Bout de Souffle – Trailer:

Crítica:

Não tem jeito, começarei com o clichê: o Cinema pode (e deve) ser dividido da seguinte forma: antes e depois de “Acossado”. E falo sério mesmo, não estou me fazendo de fã incondicional e/ou irracional do filme, não. Deseja que eu fundamente o meu argumento? Pois bem, então vamos lá.

Antes de “Acossado” o Cinema contava com obras noir como os excelentes: “O Falcão Maltês” (ou “Relíquia Macabra”, caso o leitor prefira), “Pacto de Sangue” (um de meus ‘Wilder’ favoritos) e “O Terceiro Homem” (meu segundo ‘Welles’ predileto, perdendo apenas para “Cidadão Kane”, é claro). Jean-Luc Godard (que até então era apenas um crítico da Sétima Arte que detestava amplamente o jeito de se fazer Cinema adotado por Christian-Jacque, Jean Delannoy e Gilles Grangier) buscou inspiração nos filmes supra e lançou este fabuloso “Acossado” que, dotado de muita filosofia e estética cinematográfica, viria a influenciar visivelmente verdadeiros clássicos do Cinema estadunidense, principalmente produções magistrais realizadas na década de 70, tais como: “Taxi Driver”, “Uma Rajada de Balas” (sim, eu sei, o policial dirigido por Arthur Penn é da década de 60, mas está tão próximo dos anos 70 que achei plausível citá-lo aqui) e “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (não se assustem, mais abaixo explico a citação do mais famoso filme de Woody Allen). Meus argumentos o satisfizeram agora? Não! Pois continuemos a fundamentar então.

A fim de provar definitivamente que “Acossado” é o divisor de águas entre o Cinema Clássico e o Cinema Moderno, direciono as seguintes perguntas ao leitor: o que seria do Cinema atual sem a década de 70? O que seria da década de 70 sem Francis Ford Coppola e Martin Scorsese? O que seria do Cinema da década de 80 sem Brian de Palma? O que seria do Cinema da década de 90 sem Quentin Tarantino? E o que seria da década de 70, de Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian de Palma e Quentin Tarantino sem a Nouvelle Vague? Por fim, o que seria da Nouvelle Vague sem Jean-Luc Godard e este seu “Acossado”? Impossível de se imaginar, não? Pois é, e tendo tudo isso em vista, pode-se findar que o Cinema realmente é dividido em: antes e depois de “Acossado”, não? Certamente que sim.

Mas, e individualmente falando? O que podemos esperar de “Acossado” analisando-o como um filme qualquer? É realmente uma obra cinematográfica de qualidade? Ou trata-se apenas de um exercício de estilo vazio que, involuntariamente, acabou inspirando muitas outras obras-primas e, apenas por este motivo, é elogiado com tanto fervor por críticos de Cinema do mundo inteiro?

Bem, juro que enquanto assistia à obra em questão procurei esquecer-me de toda a badalação que o filme carregava consigo. Esqueci-me de que era a mais famosa obra do mais famoso cineasta francês de todos os tempos; esqueci-me de que era um dos grandes responsáveis pelo surgimento do importantíssimo movimento alcunhado de Nouvelle Vague (o grande responsável foi “Nas Garras do Vício” de Claude Chabrol); esqueci-me de que fora um filme demasiadamente improvisado, feito sem quaisquer planejamentos, onde o diretor e roteirista Jean-Luc Godard escrevia o roteiro (baseado em argumento de François Truffaut que, mais tarde, viria a se tornar seu arqui-rival) durante a manhã e, à tarde, dirigia o filme (ou seja, a produção começou a ser filmada com um roteiro totalmente incompleto). Enfim, fiz um esforço e esqueci-me de tudo isso, optando por avaliar esta produção como uma outra qualquer. Mesmo assim, analisando-a da maneira mais individualista possível, considerei-a fenomenal.

A sensação que tive enquanto assistia a “Acossado” acabou sendo a mesmíssima sensação que tive enquanto assistia a “8 ½” de Federico Fellini: a de estar diante de um dos dez melhores filmes que já havia tido a oportunidade de assistir em toda a minha vida. E, para falar a verdade, “Acossado” é mais do que isso, é um de meus três filmes prediletos, perdendo apenas para “2001 – Uma Odisséia no Espaço” e “O Poderoso Chefão”, que ficam, respectivamente, em segundo e primeiro lugar em minha lista de filmes prediletos.

Mas deixando de lado esse meu fanatismo entranhado e analisando o filme frigidamente, não há como deixarmos de depreender que “Acossado” atinge a perfeição em todos os aspectos possíveis, a começar pela direção de Godard que revela-se, nesta obra, a primeira a utilizar a técnica que viria a ser alcunhada de handcam, rompendo de vez um paradigma adotado pelo Cinema.

Com a câmera literalmente na mão, o genial cineasta francês confere um realismo fora do comum à trama. E não apenas o doce e suave balanço horizontal de sua máquina nos proporciona tal sensação. O modo como o diretor realiza vários enquadramentos, a forma enérgica que utiliza para movimentar a câmera durante as cenas mais tensas e a sapiência (e olha que este fora o seu primeiro longa metragem) adotada com o intento de criar cenas clássicas (sobretudo durante o desfecho do filme, quando o diretor segue Michel, que corre desesperadamente por uma rua de Paris) também conferem ao filme um toque realista excepcional, além de fazer com que nos cativemos definitivamente com o mesmo.

A edição empregada em “Acossado” também eleva a obra-prima de Godard a um patamar que o Cinema mundial raramente conseguiu alcançar, principalmente pelo modo como a mesma “brinca” a todo o instante com a passagem de tempo no filme. Ora ela dá saltos consideráveis no tempo, ora ela ameaça avançar gradativamente, mas volta ao mesmíssimo lugar em que parou. Tal técnica confere uma dinâmica excepcional à obra, que jamais perde o seu ritmo.

A trilha-sonora, então, é empregada de um modo mais do que conveniente. Além de nos remeter a uma instigante aura de Film Noir, acrescenta à produção os tons de suspense, humor e romance que revelam-se imprescindíveis para o sucesso completo da mesma. Sabe aquela trilha-sonora que você ouve e passa longos dias relembrando-a? Pois é, a trilha de “Acossado” é uma destas, bem como as de “O Poderoso Chefão”, “Dr. Jivago”, “A Primeira Noite de um Homem”, “Três Homens em Conflito”, “Os Sete Samurais”, “Lawrence da Arábia”, “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, “Barry Lyndon”, “Os Bons Companheiros”, “Pulp Fiction – Tempos de Violência”, “Casablanca”, “…E o Vento Levou”, “Ben-Hur”, “Laranja Mecânica”, “Taxi Driver” (a propósito, a trilha do filme em questão é muitíssimo parecida com a deste filme de Scorsese) e de muitos outros filmes inesquecíveis.

Mas o trunfo de “Acossado” reside mesmo em seu roteiro. Godard já acerta logo de cara ao nos introduzir, do modo menos sutil o possível (e isso, acreditem, trata-se de um grande elogio), à conturbada vida do fora-da-lei Michel Poiccard. É como se o diretor nos fizesse um convite com os seguintes dizeres: “Está afim de acompanhar de perto a vida de um perigoso criminoso durante alguns dias?”, e, sem nem ao menos esperar a nossa aquiescência no que se concerne a tal solicitação, Godard simplesmente segura-nos a mão e nos puxa para dentro da estória e da vida de Michel, sem quaisquer pedidos de licença, sem quaisquer cerimônias e sem quaisquer delongas. Ele simplesmente o faz do modo mais brusco e inesperado o possível, o quê, certamente, é sensacional.

Sabe-se lá como, Godard acaba conseguindo a façanha de fazer com que nos cativemos com o filme logo em seu primeiro segundo. Sentimos como se já conhecêssemos Michel há algum tempo, como se já fossemos íntimos do mesmo, tamanha a familiaridade que o gênio francês nos transmite logo no início da trama, quando a mesma se abre com a seguinte frase: “No fundo, sou burro!”. Exatamente, em menos de dois segundos de projeção, o protagonista nos faz logo de cara uma espécie de confissão. E aí eu pergunto: “Como podemos não nos cativar com um sujeito destes?”.

Tudo em Michel chama a atenção, tudo mesmo. A começar pelo fato deste ser uma releitura de vários personagens encarnados por Humphrey Bogart nos anos 1.940 (reparem na clara homenagem que o filme realiza ao astro de “O Tesouro de Sierra Madre”, quando a imagem de Michel é refletida em um vidro que protege a imagem de Bogard, ou seja, a imagem deste atrás, e a imagem daquele à frente, mostrando que um é o sucessor do outro), passando pelos trejeitos parecidos com os de um bonachão italiano mesclados ao charme de um galanteador francês, o terno que traja durante boa parte da trama, o chapéu que lhe cobre os olhos, o cigarro no canto direito da boca soltando fumaça durante a projeção inteira, a ignorância dele e, é claro, os diálogos completamente desconexos que solta durante o filme todo. Repare, por exemplo, quando ele comenta, olhando diretamente para a câmera, ou seja, para nós, espectadores: “___ Amo a França. Se não gosta do mar, se não gosta da montanha, e se não gosta da cidade…”… enfim, é melhor nem concluir os dizeres do protagonista, sob pena de retirar o timming cômico embutido na cena. Tudo o que posso dizer é que, justamente quando esperávamos que Michel fosse nos dar uma outra alternativa para amarmos a sua terra natal, ele simplesmente conclui o que havia começado a dizer de uma forma extremamente brutal e desconexa, o que nos faz instantaneamente soltar uma gostosa gargalhada.

Aliás, o filme todo é desconexo (daí o motivo da edição constantemente dar saltos para frente e para o nada) e bem-humorado, sobretudo o par romântico formado por Michel e Patricia. E é justamente no affair de ambos que o filme atinge o seu clímax. A melhor cena de “Acossado” não reside em uma perseguição, nem em um tiroteio, nem em um momento essencialmente dramático, mas sim em uma simples conversa na qual o casal tem em uma simples cama de hotel. Isso mesmo, uma singela conversa na cama, sem nenhuma cena picante ou coisa do tipo.

Muitos poderão achar os diálogos de ambos completamente sem pé, nem cabeça, mas a verdade é que toda a carga dramática do filme está ali. Ambos falam sobre tudo e, ao mesmo tempo, sobre nada, sobre absolutamente nada. Patricia pede ao parceiro que diga algo simpático, este não sabe o que dizer, a garota então contorna a situação embaraçosa comentando o quão bonito é o cinzeiro dele, ele diz que era de um avô seu que morou uns tempos na suíça e, sem mais nem menos, emenda com uma conversa onde relata que este seu mesmo antepassado adquiriu um Rolls-Royce uma vez e o carro suportou quinze anos sem ter uma única falha mecânica.

E é justamente neste romance desconexo e sem razão de ser, que o filme aposta todas as suas fichas. E aposta certo. O caso de amor entre Michel e Patricia nada mais é do que um epítome da grande maioria dos casos amorosos existentes naquela época, e por que não dizer, em nossa época? É por isso que não há como negar que Godard fez uma obra muito a frente de seu tempo, uma obra que relataria o acaso, o preenchimento existencial embasado no sexo e em uma reles aventura, sem qualquer conteúdo. Em um determinado momento Patricia, imatura, sonhadora e infantil comenta que gostaria que eles fossem como Romeu e Julieta, mas como isso seria possível? Há algo que possa unir um casal tão desconexo?

Ele é um inculto, ela, uma aspirante a intelectual; ele é rude, ela, um doce de pessoa; ele é audacioso, ela, excessivamente cautelosa; ele é objetivo, ela, um poço de subjetividade; ele é resoluto, ela, um baú de perplexidade; ele não tem quaisquer perspectivas fora do submundo do crime, ela, uma aspirante a jornalista com uma próspera carreira pela frente. E aí perguntamos: “Por quê?! Por que uma moça destas se interessa por um tipinho destes?!”. Oras, pelos mesmos motivos que as garotas mais perfeitamente lapidadas se interessam pelos tipos mais asquerosos: pelo sexo (está aí o motivo da analogia deste filme com “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” conforme citado no primeiro parágrafo) e pela aventura.

Nossas existências se repetem cada dia mais. Vivemos sempre o mesmo, passamos sempre pelas mesmas situações. Imagine uma garota como Patricia. Ela tem futuro? E como. Tem todas as ferramentas necessárias para prosperar na vida? E como. Mas o que é que ela não tem? Emoção. Fazer sexo com um marginal é algo que, ao mesmo tempo em que a assusta e a carrega de incertezas (uma vez que a garota, aparentemente, nasceu com o rei na barriga e o romance com Michel foge bastante do estilo de vida que preparou-se, durante toda a adolescência, para levar quando adulta), confere uma experiência instigantemente diferente na vida da moça. É como se ela estivesse flertando com o perigo, com uma vida instável, mesmo morrendo de medo de seguir com isso adiante.

E é desta forma ingênua, através de uma estória objetivamente simples (mas muito complexa se prestarmos atenção nas entrelinhas), que Godard realiza o seu amplo panorama artístico sobre nossas existências carregadas do mais insuportável tédio. A fim de fugir das rotinas das grandes cidades, as garotas, cheias de ponto de interrogação em suas mentes, não estão mais interessadas nos rapazes maduros e prontos para o compromisso sério, mas sim nas aventuras, nas possíveis emoções que um affair possa lhes proporcionar. E mesmo que o amor não seja verdadeiro, mesmo que não contenha um pingo de química sequer, isso parece não importar mais, o que importa realmente é a possibilidade de risco, que mesmo não ocorrendo tão frequentemente (como é o caso do filme em questão), já é, no mínimo, uma possibilidade, uma chance de levar uma vida mais, digamos, cool.

A fim de produzir a sua obra-prima definitiva, Jean-Luc Godard utilizou-se de uma simples fórmula: somou tudo o que o Cinema havia produzido de melhor até então, multiplicou a soma por inúmeros elementos peculiares e, como resultado, obteve o dígito mais extenso e incontável que se possa imaginar, o que reflete também no extenso e incontável número de qualidades que esta pintura em forma de película possui. Em suma, e sem cálculos matemáticos, “Acossado” tomou emprestadas características valiosíssimas do Cinema ianque para que as mesmas pudessem ser lapidadas e devolvidas à Terra do Tio Sam com um valor ainda mais alto do que quando cruzaram o Oceano Atlântico no final dos anos 1.950 e início dos anos 1.960. Por fim, encerro esta crítica (enorme, diga-se) da mesma forma que a iniciei: o Cinema, definitivamente, se divide em: antes e depois de “Acossado”.

Avaliação Final: 10,0 na escala de 10,0.

Diário de um Pároco de Aldeia – **** de *****

Já assisti a quase todos (ou seria todos?) os filmes de Robert Bresson durante a minha adolescência e na época não era lá um grande fã de filmes de Arte, logo, não posso arriscar que nota daria a tais produções neste exato momento. Resolvi então reassistir a todas estas obras novamente, começando pelo que menos havia me chamado a atenção na época. Refiro-me a este “Diário de um Pároco de Aldeia”. Nessa segunda “visitada” ao longa, adorei-o incondicionalmente, mas ainda assim encontrei bastantes falhas que me incomodaram muito durante a projeção. Vamos conferí-las mais abaixo?

Crítica:

Se você nunca assistiu a “Dogville” e pensa o fazer em algum dia de sua vida, aconselho que antes assista a este ótimo “Diário de um Pároco de Aldeia”. Por que? Porque há muitas semelhanças entre um e outro. Assim como em “Dogville”, no filme de Robert Bresson (um dos cineastas franceses mais influentes de todos os tempos) o protagonista é um recém chegado em um vilarejo que passa a ser maltratado pela população local. Assim como em “Dogville”, o protagonista de “Diário…” é um homem com uma forte ligação divina (vale lembrar que muitos cinéfilos e críticos de Cinema, inclusive este que vos escreve, encaram a protagonista Grace do longa de Lars von Trier uma espécie de reencarnação de Jesus Cristo). Entretanto, há uma diferença muito grande entre “Dogville” e “Diário”: o primeiro critica a crueldade humana, mas em doses milimetricamente medidas, o segundo faz o mesmo apelando a exageros altamente dispensáveis.

No longa em questão, todas as pessoas são inexplicavelmente cruéis e fazem o possível e o impossível para destruir a vida do jovem padre (uma cidade onde padres não são bemvindos? Onde fica?! Onde fica?! Quero me mudar para lá!), transformando-a em um verdadeiro inferno (não almejo fazer trocadilhos aqui). O protagonista, por sua vez, revela-se o cumulo do indivíduo “coitadinho”. O cara que veio ao mundo para sofrer. Parece até que estamos diante de um dramalhão mexicano, onde o caráter estoicista de seu personagem principal chega a nos causar nauseas. Ele sofre de uma terrível doença, seu estomago não suporta refeições mais pesadas do que pão e vinho e, para complicar ainda mais, tem uma fascinação por adorar pessoas que o odeiam e tentar muda-las através da palavra de Deus.

Aí o filme se desenvolve e muda de figura. O pároco, que tanto falava de Deus, passa a questionar a existência Dele. A partir deste momento a obra ganha uma força incrível e deposita nos diálogos o seu principal atrativo. “Diário de um Pároco de Aldeia” passa então a ser mais do que um mero filme, revela-se uma sucessão de diálogos magistrais e filosóficos que tecem personagens altamente complexos com fortíssimas opiniões formuladas sobre a existência de Deus, resignação (o dialogo do protagonista com a Condessa é um dos momentos máximos do Cinema Francês), culpa, morte, felicidade (preste atenção na conversa que o pároco tem com o jovem motoqueiro próximo ao desfecho da trama) e muito (mas muito mesmo) mais. Como se não bastasse, tais diálogos, além de profundos, são proferidos de um modo ríspido, seco e imprevisível.

Robert Bresson também é um dos grandes responsáveis pelo sucesso de “Diário…”. Pode-se dizer que o diretor falha apenas quando emprega várias vezes a trilha-sonora que, individualmente analisada, se mostra belíssima, mas no contexto geral da obra se mostra extremamente maniqueísta. No mais, o mestre francês, auxiliado pela fotografia bela e, ao mesmo tempo, sorumbática quando utilizada em campos abertos, e angustiante quando empregada em lugares fechados, confere um grau de sensibilidade incrível ao filme, como raramente temos a oportunidade de ver nas produções atuais.

A criação de ângulos também conta muitíssimos pontos a favor de Bresson. Vide o modo como ele posiciona a câmera em um campo aberto e, ao mesmo tempo em que capta a beleza natural do local, dá ênfase também ao enorme vazio emocional presente no mesmo, algo que acaba representando o vilarejo de uma forma geral. Os “close ins” que o diretor realiza no rosto do protagonista também aumenta a carga dramática da trama, uma vez que a tristeza e as expressões pesadas e amarguradas do mesmo passam a condizer com o local onde a trama se passa, o que confere um clima mais pesado ao filme.

E falando em expressões, que grande atuação a de Claude Laydu, não? Contudo, não é a expressividade do ator que realmente conta pontos para o seu trabalho, mas sim o olhar do mesmo (que é muito mencionado durante o filme). Lembram de Al Pacino em “O Poderoso Chefão – Parte II”, cujo personagem era extremamente inexpressivo, mas armazenava todas as suas emoções (sobretudo a raiva e a cobiça) em seu olhar? Pois é, aqui Laydu faz a mesma coisa, mas os sentimentos demonstrados através de seus olhos são a ingenuidade e a autopiedade. Os demais atores também se saem muito bem e merecem destaque, bem como a direção de arte que cria os ambientes internos na medida certa, dando um toque a mais ao filme.

Não é necessariamente uma obra-prima, faltou pouco para tal, mas revela-se um filme muito acima da média.

Obs.: Se este é o filme de Bresson de que menos gostei em minha adolescência e, conferindo-o pela segunda vez, adorei-o com tanta intensidade, imagine então quando assistir a longas de que realmente gostei anteriormente, como é o caso de “O Batedor de Carteiras”, “O Dinheiro”, “Ladies of the Bois de Bologne”, “Four Nights of a Dreamer”, “Trial of Joan of Arc”, “A Gentle Woman”, entre muitas outras produções cujo título nacional já nem me recordo mais?

Obs. 2: Para o cineasta soviético Andrei Tarkovski, este é o melhor filme a que ele já assistiu. Exagerado, é verdade, mas enfim…
Avaliação Final: 8,3 na escala de 10,0.

Busca Implacável – *** de *****

dezembro 8, 2008 Deixe um comentário

Eu sei que este será o típico comentário de um indivíduo que acabara de falhar na tentativa de ter uma ereção com uma mulher entre quatro paredes, mas é justamente o que estou sentindo no exato momento, estou com aquela incômoda sensação de que “isto nunca me aconteceu antes”. “___Isto o quê?”. Pergunta-me o leitor. A falta de inspiração em escrever um texto a respeito do filme que acabei de assistir. Posso ter inúmeras falhas como crítico de Cinema, mas creio que do mal da falta de inspiração não sofro. Independentemente do que penso sobre uma determinada obra cinematográfica, no que diz respeito à qualidade da mesma, sempre encontro o mínimo de inspiração necessária a fim de escrever sobre esta, fato que não ocorreu comigo logo após o término deste “Busca Implacável”. O que falar de um filme que, a meu ver, não fede e não cheira (na verdade cheira um pouco mais do que fede)? Pois é, encontro-me neste dilema no exato momento, mas enfim, farei o possível para ilustrar ao leitor a minha opinião sobre o mesmo.


Ficha Técnica:
Título Original: Taken.
Gênero: Ação.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.takenmovie.com/
Nacionalidade: França.
Tempo de Duração: 93 minutos.
Diretor: Pierre Morel.
Roteirista: Luc Besson, e Robert Mark Kamen.
Elenco: Liam Neeson (Bryan), Xander Berkeley (Stuart), Maggie Grace (Kim), Olivier Rabourdin (Jean Claude), Famke Janssen (Lenore), Katie Cassidy (Amanda), Nicolas Giraud (Peter), Leland Orser (Sam), Jon Gries (Casey), David Warshofsky (Bernie), Holly Valance (Diva), Gérard Watkins (Saint Clair), Arben Bajraktaraj (Marko), Radivoje Bukvic (Anton), Camille Japy (Isabelle), Valentin Kalaj (Vinz) e Marc Amyot (Farmacêutico).

Sinopse: Após ouvir, através de uma ligação telefônica, sua filha única sendo seqüestrada em Paris, Bryan (Liam Neeson), um agente secreto aposentado, parte de Los Angeles à capital da França com o intento de resgatar a garota. O que Bryan não sabe é que a gangue que seqüestrou a jovem é de alta periculosidade e isto dificultará muito a sua missão.

Taken – Trailer:

Crítica:

Não, não confie na sinopse supracitada. Sim, eu sei, ela foi escrita por mim, assim como a grande maioria das sinopses dos vários filmes encontrados neste site, mas ainda assim peço ao leitor que não confie plenamente na mesma, mormente no final desta onde aparece escrito: “gangue… de alta periculosidade”. O motivo? Por mais perigosos e numerosos (e realmente são numerosos) que os bandidos aparentem ser, o protagonista Bryan se mostra capaz de derrotá-los facilmente, em fração de segundos. Em suma, a gangue não aparenta ser de tão alta periculosidade conforme aponta a sinopse, uma vez que o protagonista os derrota com uma facilidade demasiadamente artificial.

“___ Seria Bryan o estereotipo do mocinho dos filmes de ação produzidos nos anos 80 e protagonizados por Arnold Schwarzenegger e Silvester Stallone?” ___ Me pergunta o leitor. Eu respondo: “___ Sim e (ao mesmo tempo) não!”. O personagem de Liam Neeson segue sim o estereotipo do protagonista durão que enfrenta e desmantela uma quadrilha inteira de marginais com a maior facilidade do mundo, mas há algumas peculiaridades que o diferencia de ícones como John Rambo e Coronel John Matrix, dentre as quais cito: a sua consistência física (Bryan foge do estereotipo do ex-militar musculoso), sua dependência por aparelhos tecnológicos e a perspicácia em saber utilizá-los (lembrando muito James Bond), suas atitudes politicamente incorretas (fugindo do mocinho bonzinho convencional que filmes deste tipo nos apresenta. Repare na maneira fria como Bryan, a fim de obter informações, atira em uma pessoa inocente e eletrocuta um criminoso) e o modo como este é bem encarnado mediante a boa atuação do ator norte-irlandês (uma vez que Stallone e Schwarzenegger interpretavam muito mal seus respectivos personagens, ao contrário de Neeson nesta produção).

Mas se Bryan não é necessariamente o estereótipo de John Rambo e conta com uma atuação bastante interessante do sempre excelente Liam Neeson, o roteiro do filme, infelizmente, não se esforça nem um pouco para criar diálogos inteligentes a fim de compor o protagonista de um modo mais dramático e natural. Sendo assim, somos obrigados a ouvir o mesmo proferindo baboseiras do tipo: “___ Vocês seqüestraram minha filha, pois saibam que conto com um conjunto particular de habilidades adquiridas ao longo de minha carreira como agente secreto e estou disposto a utilizar todas elas contra vocês.”. Mais pedante, megalomaníaco e artificial, impossível, não é mesmo?

E o que dizer então do argumento, que nada mais é do que uma cópia descarada da sinopse de “Comando Para Matar”? A única diferença aqui é que as situações pelas quais o protagonista passa são um pouco desiguais e a estória ocorre em Paris. E já que mencionamos a histórica cidade luz, não há como não reparar na falha tentativa que o longa realiza ao almejar ser uma espécie de cartão-postal da Capital da França. Repare, por exemplo, no modo como o diretor Pierre Morel se esforça para, sempre que possível, criar uma tomada aérea com o intento de exibir os pontos turísticos da cidade, em especial a Torre Eifel. O problema é que tais atitudes se revelam gritantemente artificiais e indelicadas e, sejamos francos, o tipo de público que vai aos cinemas assistir a este “Busca Implacável” (e que titulizinho mais ridículo este, não? Tanto o original quanto, principalmente (só para “variar”), o nacional) não têm o intento de conhecer Paris mediante tomadas aéreas, e sim de conferir cenas de ação eletrizantes.

“___ E tais cenas de ação são realmente eletrizantes?” ___ Me pergunta o leitor. “___ Otimamente eletrizantes!” ___ Respondo eu. Aqueles que lêem os meus textos com certa freqüência sabem perfeitamente que, ao avaliar um determinado filme, em primeiro lugar, analiso o conteúdo artístico do mesmo e, caso este ouse inovar de uma maneira que realmente obtenha um resultado satisfatório, confiro-lhe, automaticamente, uma nota acima da média (que, no caso, é 6,0). Este “Busca Implacável” não se atreveu a inovar nem um pouco (muito pelo contrário, conta com um clichê atrás do outro), mas ao menos consegue cumprir o seu objetivo principal, que é entreter o público alvo, de maneira ligeiramente convincente. É o típico filme que pode ser resumido em uma única frase: “Apresenta mais do mesmo, mas consegue nos divertir com êxito”.

O quê? Ah sim, comecei o parágrafo acima mencionando que as cenas de ação são ótimas e esqueci-me de concluir tal asserção. Pois bem, corrijo-me então fazendo-o aqui. Se falta originalidade, naturalidade e dramaticidade ao filme, ao menos ele conta com seqüências de ação muito bem distribuídas ao longo de sua projeção e que cumprem com maestria a função de entreter o público. Que tais cenas abusam do absurdo, isto não se tenha dúvidas, mas não há como negar que estas nos mantém bastante entretidos. Vide a perseguição automobilística ocorrida no meio do filme (para se ter uma idéia do que estou afirmando) é a típica cena absurda onde uma única pessoa consegue despistar cerca de sete ou oito veículos. Contudo, não há como negar que tal cena consegue prender o espectador e conferir alguma tensão a este, mesmo com a câmera excessivamente tremida de Pierre Morel (seria ele o Michael Bay francês? Faço votos para que não).

“Busca Implacável” é o típico filme que certamente não irá acrescentar nada de especial em sua vida, e você provavelmente irá se esquecer deste minutos após o término da sessão, mas não há como negar que o mesmo se revela um bom passatempo e, em muitos casos, só isso já basta.

Avaliação Final: 6,0 na escala de 10,0.

O Escafandro e a Borboleta – ***** de *****

novembro 24, 2008 Deixe um comentário

Há alguns filmes que mexem conosco de uma forma, digamos, pessoal. Este “O Escafandro e a Borboleta”, por exemplo, me remeteu a uma lembrança bem parecida com a experiência passada pelo protagonista: as reflexões deste durante o seu período de internação hospitalar. Não, o meu caso nem passou perto dos problemas que Jean-Dominique Bauby teve de enfrentar, mas a semana em que fiquei internado no hospital serviu, ao menos, para que eu pudesse repensar a minha vida e dar mais valor a mesma, assim como o personagem de Mathieu Amalric o faz neste longa. Tendo em vista isso, foi impossível eu não criar uma relação pessoal com a obra magistralmente dirigida por Julian Schnabel.

Ficha Técnica:
Título Original: Le Scaphandre et le Papillon
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 112 minutos
Ano de Lançamento (França / EUA): 2007
Site Oficial: http://www.lescaphandre-lefilm.com/
Estúdio: Pathé Renn Productions / France 3 Cinéma / Canal+ / Région Nord-Pas-de-Calais / The Kennedy/Marshall Company / C.R.R.A.V. Nord Pas de Calais / Ciné Cinémas / Banque Populaire Images 7
Distribuição: Miramax Films / Europa Filmes
Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Ronald Harwood, baseado em livro de Jean-Dominique Bauby
Produção: Kathleen Kennedy e Jon Kilik
Música: Paul Cantelon
Fotografia: Janusz Kaminski
Desenho de Produção: Michel Eric e Laurent Ott
Figurino: Olivier Bériot
Edição: Juliette Welfling
Elenco: Mathieu Amalric (Jean-Dominique Bauby), Emmanuelle Seigner (Céline Desmoulins), Marie-Josée Croze (Henriette Durand), Anne Consigny (Claude), Patrick Chesnais (Dr. Lepage), Niels Arestrup (Roussin), Olatz Lopez Garmendia (Marie Lopez), Jean-Pierre Cassel (Lucien / Vendeur Lourdes), Marina Hands (Joséphine), Max von Sydow (Papinou), Isaach De Bankolé (Laurent), Emma de Caunes (Imperatriz Eugénie), Jean-Philippe Écoffrey (Dr. Mercier), Nicolas Le Riche (Nijinski), Lenny Kravitz (Lenny Kravitz) e Michael Wincott (Michael Wincott).

Sinopse: Baseado em fatos reais, “O Escafandro e a Borboleta” narra a vida de Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), editor da revista francesa Elle, após este sofrer um derrame cerebral e, conseqüentemente, ter todos os músculos de seu corpo paralisados, salvo os músculos que movimentam o olho esquerdo. Jean-Do (como é chamado intimamente) aproveita o tempo em que se encontra internado no hospital para refletir sobre a sua vida e logo que aprende a se comunicar “piscando letras do alfabeto” decide escrever um livro, com a ajuda de uma enfermeira, narrando esta terrível passagem de sua vida.
Le Scaphandre et le Papillon – Trailer:

Crítica:

Desde que dei início à redação de críticas de Cinema (no intróito de 2.006), sempre mantive o conveniente costume de avaliar um filme (seja ele qual for) do ponto de vista artístico. Por este motivo, talvez, tenham me perguntado em um determinado dia qual seria a minha definição sobre Arte. Confesso ter ficado sem resposta exata a tal pergunta, mas subjetivamente respondi que Arte era a ferramenta com a qual um artista poderia demonstrar um sentimento seu tomando por base o mundo em que vive.

E é justamente isso o que Julian Schnabel realiza neste “O Escafandro e a Borboleta”, uma obra-prima deveras sensorial, capaz de captar com maestria os sentimentos de solidão, angústia, vazio, depressão e medo de um homem que, após sofrer um fortíssimo derrame cerebral, se depara com os movimentos do corpo todos paralisados, salvo os movimentos de seu olho esquerdo, que possibilitam com que este possa se comunicar com as demais pessoas apenas “piscando letras do alfabeto”. Em outras palavras, Schnabel cria aqui uma verdadeira obra-de-arte.

Realizando um casamento perfeito entre direção e fotografia, Julian Schnabel e Janusz Kaminski (respectivamente: diretor e diretor de fotografia do filme) criam um dos primeiros atos mais inesquecíveis da história do Cinema. Infelizmente, o roteirista Ronald Harwood não colabora muito quando decide prolongar demais (e desnecessariamente, diga-se) a primeira parte do filme. Mas antes de citar os defeitos do longa, peço permissão ao caro leitor para mencionar as qualidades deste que, certamente, encontram-se em maior número.

Conforme havia informado acima, o casamento entre direção e fotografia de “O Escafandro e a Borboleta” funciona da maneira mais perfeita o possível durante o primeiro ato da obra. A fim de conferir o máximo de naturalidade possível à mesma, Schnabel adota a câmera em primeira pessoa (a mesma utilizada por Alfred Hitchcock no sensacional “Janela Indiscreta”), assumindo assim os “olhos” do protagonista, fazendo com que tudo seja exibido ao espectador da maneira mais verossímil o possível.

Kaminski, por sua vez, proporciona a nós, sortudos espectadores, uma fotografia que extrapola os limites da perfeição, alternando entre vários tons de cor, conforme o estado psíquico e/ou físico em que o protagonista se encontra. Só para mencionar alguns exemplos, após acordar do derrame cerebral pela primeira vez, a fotografia toma os devidos cuidados para que o espectador tenha a impressão de que Jean-Dominique Bauby (protagonista do filme) está com a visão inteiramente embaçada. Por outro lado, a fim de demonstrar ao espectador que o protagonista não se mostra capaz de permanecer com o olho aberto por muito tempo, Kaminski vai proporcionando tons cada vez mais escuros à fotografia conforme Jean-Do “luta” a fim de evitar com que o seu olho se cerre, demonstrando o quão exaustivo é tal esforço, caso o mesmo se prolongue por mais do que alguns míseros segundos.

Juliette Welfling, responsável pela (soberba) edição do longa, também merece ser aplaudida de pé. Assim como a direção e a fotografia colaboram muito para que o filme seja altamente impactante, não apenas mantendo a naturalidade da obra, como também encarnando no espectador todo o sentimento do protagonista, a edição possui praticamente as mesmas funções e só para que o leitor possa ter uma idéia do que estou afirmando, durante os minutos iniciais do longa, nas cenas em que Jean-Do encontra-se com a memória quase que totalmente baqueada, Welfling emprega cortes rápidos, a fim de retratar os lapsos memoriais do protagonista.

Infelizmente o roteiro não se mostra tão eficiente quanto a fotografia, a edição e a direção do longa se mostram. Não, em momento algum afirmei que o mesmo deixa de ser excelente, o trabalho de Ronald Harwood apenas não se mostra tão perfeito quanto o trabalho dos demais artistas envolvidos com a obra. Durante o primeiro ato (sempre o primeiro ato, mas fazer o quê? Ele é o grande diferencial da obra), por exemplo, o roteiro parece fazer questão de retratar em demasia o processo de tratamento de Jean-Do, algo que acaba não contribuindo tanto para a conclusão da obra. Se Harwood tivesse sido mais objetivo no início do filme e aproveitado para se aprofundar mais durante o final do mesmo, certamente a experiência teria sido ainda melhor do que ela já foi.

Para finalizar, aproveito o gancho do primeiro parágrafo, acerca da pergunta sobre o que vem a ser Arte, e informo que, da próxima vez que me fizerem tal questionamento, respondê-lo-ei da seguinte maneira: “___ Assista a “O Escafandro e a Borboleta” e terá a concepção exata do que vem a ser Arte”.

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.