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Austrália – ** de *****

janeiro 27, 2009 Deixe um comentário
Francamente, estou farto de escrever críticas de Cinema apontando os clichês e/ou estereótipos de um determinado filme que está sendo analisado. Acredito que falar mal de clichês, por si só, já consiste em um terrível clichê. Juro que preferia infinitamente ter de apontar falhas como furos de roteiro, falta de criatividade na direção, personagens mal explorados, trama fraca, atuações pavorosas, montagem confusa, estória má conduzida, entre outras coisas, a ficar listando os chavões e personagens caricatos que compõem uma determinada obra. Visto isso, pergunto ao leitor: “que culpa tenho eu se a leva de filmes lançados atualmente não faz outra coisa senão apelar a clichês e/ou estereótipos que “segurem” a trama?”. As recentes produções cinematográficas parecem ter carência inventiva até mesmo ao “criar” os seus próprios defeitos e sabem o que é pior nisso tudo? É o fato de a Crítica Cinematográfica ter de adotar sempre a mesma postura, tendo de escrever textos cujo alvo principal é, obrigatoriamente, a condenação destes incômodos clichês. Felizmente (ou seria infelizmente?), “Austrália” é um longa que conta com muitos defeitos, o que possibilita que este texto não se dedique unicamente a criticar os diversos clichês inseridos em seu fraco roteiro.

Ficha Técnica:
Título Original: Australia.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.australiafilme.com.br/
Nacionalidade: Estados Unidos.
Tempo de Duração: 165 minutos.
Direção: Baz Lurhmann.
Roteiro: Stuart Beattie, Baz Luhrmann, Ronald Harwood e Richard Flanagan, baseado em estória de Baz Luhrmann.
Elenco: Nicole Kidman (Sarah Ashley), Hugh Jackman (Drover), Brandon Walters (Nullah), David Wenham (Neil Fletcher), Ray Barrett (Bull), Bryan Brown (Rei Carney), Tony Barry (Sargento Callahan), Essie Davis (Cath Carney), Arthur Dignam (Padre Benedict), Sandy Gore (Gloria Carney), David Gulpilil (Rei George), Jamie Gulpilil (Porter), Jacek Koman (Ivan), Ben Mendelsohn (Capitão Dutton), David Ngoombujarra (Magarri), Angus Pilakui (Goolaj), Bruce Spence (Dr. Barker) e Kerry Walker (Myrtle Allsop).
Sinopse: Sarah Ashley (Nicole Kidman) é uma aristocrata inglesa que viaja a Austrália com o propósito de salvar uma propriedade rural que pertencia ao seu marido, recentemente assassinado no local. Lá ela conhece Nullah (Brandon Walters), um garoto aborígine com quem passa a ter uma relação quase que materna, e Drover (Hugh Jackman), um vaqueiro que é contratado pela dama para conduzir o seu rebanho de gado até os portos de Darwin, onde será exportado e vendido a um bom preço, salvando a fazenda de Ashley da falência.

Australia – Trailer:

Crítica:

“Austrália” é mais um destes filmes imaturos e previsíveis que logo em seus dez primeiros minutos revela todos os defeitos que possui e virá a possuir durante o desenrolar de sua trama. Começamos com um garoto mestiço extremamente irritante, cujo nome é Nullah (e confesso que desde que assisti a “Star Wars – Episódio I – A Ameaça Fantasma” pela primeira vez, no ano de 1999, não via um personagem que conseguia ser tão irritante quanto Jar Jar Binks. Nullah conseguiu romper tal tabu) e assume a função de narrador da obra cinematográfica em questão. O problema é que além da narração ser gritantemente dispensável, o tom de voz empregado pelo ator mirim é simplesmente insuportável. Isso sem contar, é claro, a péssima escolha das palavras utilizadas pelo roteiro a fim de construir a narrativa, que se torna altamente previsível.

O longa se desenvolve um pouco mais e os erros vão aparecendo. O recurso gráfico utilizado para indicar a localização de um personagem no globo terrestre é tolo, desnecessário e imaturo. Aliás, imaturo é tudo o que o longa consegue ser durante o seu primeiro ato inteiro e isso não consistiria necessariamente em uma falha caso “Austrália” assumisse, definitivamente, ser uma obra infantil. O problema é que a produção não se assume como tal e o filme vai se revelando bobo demais para os adolescentes e adultos e longo e cansativo demais para as crianças. Ou seja, não agrada a gregos, nem a troianos.

Mas se Nullah (Brandon Walters) revela-se um elemento irritante e, aparentemente, dispensável à trama (aliás, é uma pena que o roteiro crie tantas situações de perigo ao garoto e nunca decida o “matar” de uma vez por todas, poupando-nos do fraco terceiro ato que nos aguarda), o casal de protagonistas, Sarah (Nicole Kidman que, depois de implantar litros de botox na cara não consegue mais se expressar satisfatoriamente) e Drove (Hugh Jackman, fazendo uma atuação correta em um papel fortemente clichê), se revela o mais caricato o possível (sim, outra crítica de minha autoria que se propõe a falar mal dos estereótipos contidos em um determinado filme, mas fazer o quê se os filmes atuais não colaboram comigo?). Sarah é a típica aristocrata inglesa bravinha e mimada que põe uma coisa na cabeça e faz birra até conseguir obter êxito em seu objetivo (nisso ela lembra muito a personagem Scarlett O’ Hara, interpretada por Vivien Leigh, em “… E o Vento Levou”, com a diferença de que o desenvolvimento de Scarlett é fenomenal, ao ponto que o desenvolvimento da personagem de Nicole Kidman é catastrófico). Logo no início da trama a moça é construída pelo maior número de clichês possíveis, que variam desde o modo rápido, engraçado e imponente como a mesma anda, até a maneira doce (leia-se aqui, irritante) como fala (Kidman fazendo sotaque inglês é risível), passando pelos inúmeros gritinhos que solta sempre que se espanta (aliás, não somente quando esta se espanta, mas em quaisquer outras ocasiões que sejam) e as expressões faciais adotadas pela mesma (qualquer incidente a deixa boquiaberta e a faz arregalar os olhos e torcer o nariz da maneira mais artificial e caricata o possível).

E quanto ao personagem de Drove? Apesar de ser bem menos irritante que Sarah, este é ainda mais caricato que a moça. Seguindo o estereótipo do cavaleiro solitário (que nos anos 1960 não era necessariamente um estereótipo) incorporado por Clint Eastwood na trilogia dos dólares de Sergio Leone, o personagem de Hugh Jackman é destes indivíduos que passam o tempo livre em um bar embriagando-se e arrumando encrenca. Logo no início do filme, o protagonista de “Austrália” nos é apresentado durante uma discussão em um boteco (com direito a uma batida frase proferida por Drove: “___ Eu não posso deixar este desaforo passar em branco.”), em seguida ele solta um olhar ameaçador, que é focado pela câmera em um close que já fora utilizado pelas obras de western ao menos umas três dúzias de vezes (o leitor reconhecerá a cena a qual me refiro) e, por fim, inicia-se uma rixa ridícula cujas lutas parecem ter sido extraídas de algum episódio do seriado “Os Trapalhões” (com a diferença de que tais cenas funcionavam muito bem no programa da trupe de comediantes brasileiros, ao passo que em “Austrália”…).

O que esperar então do romance entre Drove e Sarah? Imaginem o resultado que pode-se obter se juntarmos uma mulher extremamente irritante (uma cópia loira de Scarlett O’ Hara) com um homem que segue o estereótipo do indivíduo bronco (a versão morena do Cavaleiro-Sem-Nome criado por Sergio Leone). Coisa boa não poderia sair, não é mesmo? Pois é, o romance entre eles revela-se um dos maiores clichês já vistos até então. Ambos formam o casal que se odeia, mas que, aos poucos, passa a se amar, Algo parecido com o romance entre Lizzie Bennet e Mr. Darcy em “Orgulho & Preconceito”, com a diferença de que, no filme dirigido por Joe Wright, o casal era abordado com muito charme, coisa que não acontece neste “Austrália”. Aliás, charme é o que falta ao romance dos dois, uma vez que tudo é “jogado” ao espectador sem o menor resquício de sutileza (só para se ter uma idéia, a rica moça passa a se interessar pelo rude rapaz a partir de uma cena onde este se banha e, praticamente, faz pose para a câmera exibindo os seus músculos, algo que parece ter sido extraído de um comercial de suplementos alimentares para frequentadores de academias de musculação).

A trama vai tentando tomar uma forma (apenas tentando). Tomamos ciência de que, a fim de quebrar o monopólio de um barão local, Sarah deverá embarcar milhares de cabeças de gado destinados à exportação e, com isso, arrecadar uma boa e justa quantia em dinheiro. O problema é que o caminho que terá de percorrer até o porto de Darwin (cidade australiana) é gigantesco e perigoso. Para obter êxito na missão a jovem contrata Drove para um novo trabalho. A partir daí o filme assume-se como plágio descarado de “Lawrence da Arábia”. Sim, a indigesta salada feita a partir de “Por uns Dólares a Mais” (ou “Três Homens em Conflito” ou, ainda, “Era Uma Vez no Oeste”, caso o leitor prefira) com “…E o Vento Levou”, temperada com um pouco de “O Mágico de Oz”, é completamente abandonada e tem-se início uma cópia fiel da obra-prima de David Lean. Alguns detalhes mudaram ligeiramente (apenas ligeiramente, o que não descaracteriza plágio). Por exemplo, ao invés de cruzarem um deserto com um grupo gigantesco de pessoas, os ‘heróis’ realizam a sua travessia conduzindo uma manada de gados (ou seja, a dramaticidade cai consideravelmente, uma vez que as emoções humanas são substituídas aqui pela frieza bovina). A chegada destes ao porto de Darwin então é algo que dispensa comentários. Não há como não notarmos a descarada imitação da cena em que Lawrence e o seu bando chega a Acqaba, com a única diferença de que aqui não ocorre um combate grandioso, mas sim uma invasão enorme de bovinos que param a cidade inteira.

Até aí o filme, aparentemente, só apresentou falhas, não é mesmo? Sim, mas mesmo com tantos defeitos não há como não vislumbrarmos a maravilhosa fotografia que engrandece ainda mais as fantásticas paisagens australianas magistralmente filmadas (ao menos no início do longa) por Baz Luhrmann. É impossível também deixarmos de notar que, de uma forma ou de outra, o longa consegue nos divertir, ainda que seja só um pouco. A seqüência do “estouro” da boiada à beira de um precipício confere uma forte tensão ao espectador e, por mais que os efeitos em CGI sejam muito mal empregados, a cena é muito bem dirigida e proporciona ao espectador um clima forte o bastante para nos fazer roer as unhas de apreensão (apesar de ser lamentável o irritante Nullah ter sobrevivido à mesma). Não fosse o fato de um determinado personagem fazer gracinhas na hora errada (onde já se viu fazer palhaçadas em uma situação desesperadora como aquela?), a seqüência teria se saído maravilhosamente bem.

Mas os ‘heróis’ conseguem cumprir com o seu objetivo, embarcam o gado, derrotam o inescrupuloso barão da indústria de carnes da Austrália e aí temos um final feliz, de acordo? Não, lamentavelmente não. Se o filme de Luhrmann parasse por aí, o mesmo teria, ao menos, se revelado uma interessante diversão, apesar de deveras infantil e nada original. Entretanto, Luhrmann é megalomaníaco e queria mais, queria fazer de “Austrália” o mais novo épico da indústria cinematográfica. A partir deste instante então somos arremessados, sem a menor sutileza, a um novo filme, totalmente diferente daquele outro apresentado até então, mas com os mesmos personagens. A premissa inicial é completamente abandonada e a mania de grandeza do filme decide, do modo mais indelicado o possível, cruzar a ridícula trama que envolve o destino do garoto Nullah com o ataque aéreo que os japoneses realizaram àquela região do globo terrestre durante a Segunda Guerra Mundial.

O que se vê então é uma tentativa muito supérflua de abordar o preconceito que os aborígines e, principalmente, os mestiços sofriam naquela região. Pior ainda é testemunharmos a volta do rancor estadunidense perante os japoneses sendo exibida pela sétima Arte. Sinceramente, imaginei que os moradores da Terra do Tio Sam haviam parado, desde o lançamento do fraco “Pearl Harbor”, de utilizar o Cinema para culpar injustamente os japoneses pelos conflitos ocorridos entre eles durante a Segunda Grande Guerra, mas vi que estava redondamente enganado. “Austrália”, além de acusar os filhos da Terra do Sol Nascente de terem iniciado os confrontos, ainda os estereotipa retratando o modo como os mesmos realizavam ataques aéreos e matavam, sem quaisquer resquícios de clemência, pessoas indefesas (como se os estadunidenses também não o fizessem).

Não bastasse tudo isso, este terceiro ato do filme, além de ser desconexo com relação ao primeiro e, até mesmo, ao segundo, se revela fortemente piegas e previsível. Se por um lado o mesmo abandona toda a infantilidade presente outrora em seu roteiro (e eu, particularmente, senti-me incomodado com a mudança de caráter extremamente forçada pela qual alguns personagens passam), por outro lado as tentativas de fazer o público se emocionar com o drama são bastante artificiais. Porém, artificiais ou não, não há como negar que o longa, em alguns raros casos, consegue, de fato, nos emocionar, o que já é um grande feito.

Este é “Austrália”, um fraquíssimo candidato a épico que, na dificuldade que encontra ao tentar firmar-se como dois filmes em um só, acaba aborrecendo o espectador causando fortes dúvidas neste que não sabe ao certo se está assistindo a uma aventura pelos desertos australianos ou a um drama sobre a Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, o longa falha tanto em uma tentativa, quanto em outra, tornando-se visivelmente imaturo e caricato em sua primeira metade e excessivamente piegas em sua segunda metade. De qualquer forma, não há como negarmos que o mesmo, apesar de irritar muitas vezes, revela-se divertido em alguns momentos e comovente em outros, além de nos brindar com uma fotografia primorosa e direção de arte e figurinos excepcionais.
Avaliação Final: 4,0 na escala de 10,0.

O Escafandro e a Borboleta – ***** de *****

novembro 24, 2008 Deixe um comentário

Há alguns filmes que mexem conosco de uma forma, digamos, pessoal. Este “O Escafandro e a Borboleta”, por exemplo, me remeteu a uma lembrança bem parecida com a experiência passada pelo protagonista: as reflexões deste durante o seu período de internação hospitalar. Não, o meu caso nem passou perto dos problemas que Jean-Dominique Bauby teve de enfrentar, mas a semana em que fiquei internado no hospital serviu, ao menos, para que eu pudesse repensar a minha vida e dar mais valor a mesma, assim como o personagem de Mathieu Amalric o faz neste longa. Tendo em vista isso, foi impossível eu não criar uma relação pessoal com a obra magistralmente dirigida por Julian Schnabel.

Ficha Técnica:
Título Original: Le Scaphandre et le Papillon
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 112 minutos
Ano de Lançamento (França / EUA): 2007
Site Oficial: http://www.lescaphandre-lefilm.com/
Estúdio: Pathé Renn Productions / France 3 Cinéma / Canal+ / Région Nord-Pas-de-Calais / The Kennedy/Marshall Company / C.R.R.A.V. Nord Pas de Calais / Ciné Cinémas / Banque Populaire Images 7
Distribuição: Miramax Films / Europa Filmes
Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Ronald Harwood, baseado em livro de Jean-Dominique Bauby
Produção: Kathleen Kennedy e Jon Kilik
Música: Paul Cantelon
Fotografia: Janusz Kaminski
Desenho de Produção: Michel Eric e Laurent Ott
Figurino: Olivier Bériot
Edição: Juliette Welfling
Elenco: Mathieu Amalric (Jean-Dominique Bauby), Emmanuelle Seigner (Céline Desmoulins), Marie-Josée Croze (Henriette Durand), Anne Consigny (Claude), Patrick Chesnais (Dr. Lepage), Niels Arestrup (Roussin), Olatz Lopez Garmendia (Marie Lopez), Jean-Pierre Cassel (Lucien / Vendeur Lourdes), Marina Hands (Joséphine), Max von Sydow (Papinou), Isaach De Bankolé (Laurent), Emma de Caunes (Imperatriz Eugénie), Jean-Philippe Écoffrey (Dr. Mercier), Nicolas Le Riche (Nijinski), Lenny Kravitz (Lenny Kravitz) e Michael Wincott (Michael Wincott).

Sinopse: Baseado em fatos reais, “O Escafandro e a Borboleta” narra a vida de Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), editor da revista francesa Elle, após este sofrer um derrame cerebral e, conseqüentemente, ter todos os músculos de seu corpo paralisados, salvo os músculos que movimentam o olho esquerdo. Jean-Do (como é chamado intimamente) aproveita o tempo em que se encontra internado no hospital para refletir sobre a sua vida e logo que aprende a se comunicar “piscando letras do alfabeto” decide escrever um livro, com a ajuda de uma enfermeira, narrando esta terrível passagem de sua vida.
Le Scaphandre et le Papillon – Trailer:

Crítica:

Desde que dei início à redação de críticas de Cinema (no intróito de 2.006), sempre mantive o conveniente costume de avaliar um filme (seja ele qual for) do ponto de vista artístico. Por este motivo, talvez, tenham me perguntado em um determinado dia qual seria a minha definição sobre Arte. Confesso ter ficado sem resposta exata a tal pergunta, mas subjetivamente respondi que Arte era a ferramenta com a qual um artista poderia demonstrar um sentimento seu tomando por base o mundo em que vive.

E é justamente isso o que Julian Schnabel realiza neste “O Escafandro e a Borboleta”, uma obra-prima deveras sensorial, capaz de captar com maestria os sentimentos de solidão, angústia, vazio, depressão e medo de um homem que, após sofrer um fortíssimo derrame cerebral, se depara com os movimentos do corpo todos paralisados, salvo os movimentos de seu olho esquerdo, que possibilitam com que este possa se comunicar com as demais pessoas apenas “piscando letras do alfabeto”. Em outras palavras, Schnabel cria aqui uma verdadeira obra-de-arte.

Realizando um casamento perfeito entre direção e fotografia, Julian Schnabel e Janusz Kaminski (respectivamente: diretor e diretor de fotografia do filme) criam um dos primeiros atos mais inesquecíveis da história do Cinema. Infelizmente, o roteirista Ronald Harwood não colabora muito quando decide prolongar demais (e desnecessariamente, diga-se) a primeira parte do filme. Mas antes de citar os defeitos do longa, peço permissão ao caro leitor para mencionar as qualidades deste que, certamente, encontram-se em maior número.

Conforme havia informado acima, o casamento entre direção e fotografia de “O Escafandro e a Borboleta” funciona da maneira mais perfeita o possível durante o primeiro ato da obra. A fim de conferir o máximo de naturalidade possível à mesma, Schnabel adota a câmera em primeira pessoa (a mesma utilizada por Alfred Hitchcock no sensacional “Janela Indiscreta”), assumindo assim os “olhos” do protagonista, fazendo com que tudo seja exibido ao espectador da maneira mais verossímil o possível.

Kaminski, por sua vez, proporciona a nós, sortudos espectadores, uma fotografia que extrapola os limites da perfeição, alternando entre vários tons de cor, conforme o estado psíquico e/ou físico em que o protagonista se encontra. Só para mencionar alguns exemplos, após acordar do derrame cerebral pela primeira vez, a fotografia toma os devidos cuidados para que o espectador tenha a impressão de que Jean-Dominique Bauby (protagonista do filme) está com a visão inteiramente embaçada. Por outro lado, a fim de demonstrar ao espectador que o protagonista não se mostra capaz de permanecer com o olho aberto por muito tempo, Kaminski vai proporcionando tons cada vez mais escuros à fotografia conforme Jean-Do “luta” a fim de evitar com que o seu olho se cerre, demonstrando o quão exaustivo é tal esforço, caso o mesmo se prolongue por mais do que alguns míseros segundos.

Juliette Welfling, responsável pela (soberba) edição do longa, também merece ser aplaudida de pé. Assim como a direção e a fotografia colaboram muito para que o filme seja altamente impactante, não apenas mantendo a naturalidade da obra, como também encarnando no espectador todo o sentimento do protagonista, a edição possui praticamente as mesmas funções e só para que o leitor possa ter uma idéia do que estou afirmando, durante os minutos iniciais do longa, nas cenas em que Jean-Do encontra-se com a memória quase que totalmente baqueada, Welfling emprega cortes rápidos, a fim de retratar os lapsos memoriais do protagonista.

Infelizmente o roteiro não se mostra tão eficiente quanto a fotografia, a edição e a direção do longa se mostram. Não, em momento algum afirmei que o mesmo deixa de ser excelente, o trabalho de Ronald Harwood apenas não se mostra tão perfeito quanto o trabalho dos demais artistas envolvidos com a obra. Durante o primeiro ato (sempre o primeiro ato, mas fazer o quê? Ele é o grande diferencial da obra), por exemplo, o roteiro parece fazer questão de retratar em demasia o processo de tratamento de Jean-Do, algo que acaba não contribuindo tanto para a conclusão da obra. Se Harwood tivesse sido mais objetivo no início do filme e aproveitado para se aprofundar mais durante o final do mesmo, certamente a experiência teria sido ainda melhor do que ela já foi.

Para finalizar, aproveito o gancho do primeiro parágrafo, acerca da pergunta sobre o que vem a ser Arte, e informo que, da próxima vez que me fizerem tal questionamento, respondê-lo-ei da seguinte maneira: “___ Assista a “O Escafandro e a Borboleta” e terá a concepção exata do que vem a ser Arte”.

Avaliação Final: 9,0 na escala de 10,0.