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Gomorra – **** de *****

dezembro 30, 2008 Deixe um comentário
Creio que seja melhor fazer desta pré-crítica uma espécie de mea culpa, afinal de contas, faz cerca de duas semanas que estou prometendo ao leitor uma analise de “Gomorra” e não venho conseguindo cumprir isto. Se tem algo que detesto é prometer algo e não cumprir o combinado, mas gostaria que o caro leitor se pusesse em meu lugar. Trabalho oito horas por dia na Prefeitura Municipal de minha cidade e, ao contrário do que muitos pensam, nem todo funcionário público leva a vida na maciota, sendo assim, estava tendo dificuldades em manter o Cine-Phylum atualizado. Mas e o período noturno? Bem, este tem me proporcionado muito mais preocupações do que eu realmente imaginei que fosse proporcionar. Sem contar, é claro, as festas de fim de ano, onde bati recorde de participações em amigos secretos (sendo oito no total, incluindo um virtual com o pessoal da comunidade no Orkut “Cinema em Cena”, ocasião na qual fui brindado com o excelente “Cassino”) e não parei de correr atrás dos presentes que tinha que dar a todos e a todas. Aproveitei também para colaborar com dois amigos meus, sendo que um estava escrevendo uma monografia sobre Webjornalismo Esportivo e o outro crônicas de alto teor surreal com pitadas de vaudeville e várias críticas sociais. Também estive envolvido com um projeto particular, que trata-se do roteiro de um western com que aborda questões filosóficas sobre o que viria a ser o bem e o mal, o correto e o errado, o moral e o imoral. Tudo isso (e muito mais, acreditem) vem me impossibilitando de atualizar o Cine-Phylum da forma ágil e dinâmica que gostaria, mas enfim, chega de conversa mole e vamos à crítica de “Gomorra” que é o que interessa (ou não).

Ficha Técnica:
Titulo Original: Gomorra.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 2008.
Site Oficial: http://www.mymovies.it/gomorra/
País de Origem: Itália.
Tempo de Duração: 137 minutos.
Diretor: Matteo Garrone.
Roteiristas: Maurizio Braucci, Ugo Chiti, Gianni di Gregório, Matteo Garrone, Massimo Gaudioso e Roberto Saviano.
Elenco: Marco Macor (Marco), Ciro Petrone (Ciro), Salvatore Abruzzese (Totó), Simone Sacchettino (Simone), Salvatore Ruocco (Boxer), Vincenzo Fabricino (Pitbull), Vincenzo Altamura (Gaetano), Italo Renda (Italo), Gianfelice Imparato (Don Ciro), Maria Nazionale (Maria), Carlo Del Sorbo (Don Carlo), Carmine Paternoster (Roberto), Toni Servillo (Franco) e outros.

Sinopse: Contando com cinco estórias de indivíduos ligados, direta ou indiretamente, à Camorra (máfia que atua na cidade de Nápoles), “Gomorra” retrata de uma forma nua, crua e quase que documental o modo como a organização criminosa influi negativamente na evolução, não apenas da cidade de Nápoles, como também de toda a Itália.

Gomorra – Trailer:

Crítica:

Estive refletindo, pouco antes do início da sessão de “Gomorra”, sobre o real motivo pelo qual me interesso tanto por filmes do gênero “Drama de Máfia”. Concluí que é pelo modo como os mesmos abordam a ambição humana fazendo um complexo panorama sobre o apogeu e a queda de seus protagonistas envolvidos com o submundo do crime. Foi o que ocorreu em “O Poderoso Chefão”, “Os Bons Companheiros”, “Cassino”, “Era Uma Vez na América”, “Scarface” e muitas outras produções do gênero que teve seu início em 1.912 com o ótimo curta-metragem “Os Mosqueteiros de Pig Alley (The Musketeers of Pig Alley)” de D. W. Griffith. “___ E em “Gomorra” acontece o mesmo que nos demais filmes citados?” ___ Me pergunta o leitor. Não, “Gomorra”, felizmente, optou por inovar e mudar o foco, trazendo, quem sabe, uma nova era de filmes do gênero que decidem se centrar mais na organização criminosa em si do que em seus protagonistas.

É claro que era bastante interessante acompanharmos a trajetória de Michael Corleone, ou Tony Montana (muito citado aqui neste filme), Henry Hill, David “Noodles” Aaronson, Sam “Ace” Rothstein (e o Cinema ainda nos deve uma abordagem mais detalhada sobre Al Capone, uma vez que o interessantíssimo “Os Intocáveis” se foca mais no grupo policial que desmantelou a quadrilha do gangster mais famoso de todos os tempos do que nele mesmo), dentre muitos outros, mas não resta dúvidas de que a sétima arte precisava realizar um retrato mais nu e cru de tais organizações criminosas. Mostrar bandidos que trocam bebês em maternidades, cortam cabeças de cavalo e as depositam debaixo dos lençóis de seus proprietários, e se revelam os pioneiros na introdução de quantias imensas de cocaína, dentre outros tipos de droga, em uma determinada região do globo terrestre se revelam, indubitavelmente, perfeitas alternativas de analisar o modo ilícito como agem estas cruéis organizações criminosas, mas a realização de uma abordagem mais documental e, digamos, menos dramática das mesmas, era algo imprescindível à história do Cinema e é justamente isso que “Gomorra” tem a nos oferecer.

Adotando ao filme uma estrutura narrativa extremamente parecida com a do também ótimo “Traffic” (uma característica típica do neo-realismo cinematográfico), Matteo Garrone capta todo o tom realista contido no livro de Roberto Saviano e utiliza aqui uma direção que adota movimentos com a câmera tremidos e balançados, possibilitando ao espectador a sensação de estar, de fato, fazendo parte da estória. Todos os aspectos do longa parecem ter sido minuciosamente trabalhados a fim de nos introduzir à atual situação em que vive, não apenas a cidade de Nápoles, mas também toda a Itália e, até mesmo o resto do mundo, em virtude a uma infinidade de problemas gerados pela Camorra, variando desde a extorsão de comerciantes locais, até o monopólio na coleta de lixo industrial (responsável pelo surgimento de câncer em muitos habitantes locais), passando pela (acreditem!) reconstrução do suntuoso edifício World Trade Center e pelo narcotráfico, sendo que este último, inclusive, recruta muitos jovens que se iludem com a possibilidade de ficarem poderosos dentro da organização, conforme será abordado mais adiante.

Outro aspecto que confere um tom extremamente realista ao longa é a caracterização de seus personagens. É claro que não temos aqui figuras tão bem construídas quanto Vitto Corleone ou o seu filho, Michael Corleone, até mesmo porque o protagonista de “Gomorra” é a própria máfia em si e não as pessoas que a compõem, mas em compensação os típicos galãs e seus respectivos ternos Giorgio Armani, exibidos nos mais variados filmes do gênero, são deixados de lado, junto de todo o glamour pertencente à Cosa Nostra. Na obra em questão entram em cena mafiosos de verdade, pessoas sujas (tanto no aspecto físico quanto moral), sem um pingo de requinte, caracterizadas através de barbas por fazer, cabelos despenteados, gargantas perfuradas devido a um cancro contraído, provavelmente, pelo vício em produtos derivados do tabaco, e extremamente mal vestidas, trajando apenas bermudas e camisetas esportivas, longe de utilizarem ternos minuciosamente alinhados que fazem parte do figurino da maior parte dos filmes do gênero.

Um dos grandes trunfos do filme, conforme fora supracitado, fica por conta da maneira como o roteiro retrata os jovens que se infiltram nestas facções criminosas, nutrindo a expectativa de assumir facilmente o poder de uma determinada região. Uma cena que retrata bem isto é a seqüência inserida logo nos vinte primeiros minutos da obra, onde vemos uma dupla de rapazes imitarem Tony Montana em “Scarface”. É incrível notarmos o modo como o humor inserido em tal passagem entra em forte contraste com a consternação que a mesma nos transmite, uma vez que presenciamos pessoas tão jovens e imaturas (sendo que um deles nunca despiu uma mulher em toda a sua vida) se venderem a uma causa tão cruel de uma forma demasiadamente ingênua e inconseqüente, sem nem ao menos imaginar as chances, quase nulas, que terão de sair vivos.

O único problema com esta ótima produção italiana, no entanto, fica a cargo de seu primeiro ato completamente desconexo. Sem nem ao menos introduzir o espectador à obra de um modo mais sutil e cativante, o roteiro de Maurizio Braucci, Ugo Chiti, Gianni di Gregório, Matteo Garrone, Massimo Gaudioso e Roberto Saviano simplesmente nos arremessa em um emaranhado de estórias onde nos encontramos totalmente perdidos e fora de foco. A edição simplesmente alterna entre uma estória e outra de forma brusca, o roteiro demora para amarrar as várias pontas que vai deixando em aberto e a direção parece não entrar em nenhum acordo com os demais aspectos da obra, o que é uma pena, uma vez que “Gomorra” tinha tudo para ser um longa muito mais eficiente do que realmente é.

De todo o modo, o longa prima pela eficiência que o roteiro, a direção e a edição proporcionam à obra durante o seu segundo e terceiro atos e as atuações de todo o elenco merecem destaque especial (sobretudo Carlo Del Sorbo encarnando magistralmente Don Carlo), pois o carisma conferido pelos atores proporciona uma relação público/obra deveras cativante (algo que roteiro, direção e edição não conseguiram fazer durante o primeiro ato inteiro).

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

Era Uma Vez na América – **** de *****

novembro 15, 2008 Deixe um comentário
Certamente, o único grande clássico de Leone que eu ainda não havia tido a oportunidade de assistir. Foi seguindo as recomendações de um colega de trabalho (refiro-me à minha carreira de funcionário público), que, surpreendentemente, se revelou um cinéfilo quase tão fanático (ou mais) quanto eu, que decidi assistir a este “Era Uma Vez na América” o quanto antes. Durante o seu início, o longa acabou superando todas as minhas expectativas, contudo, em seus momentos finais a estória toda foi por água abaixo. Uma pena, lamentavelmente uma pena, poderia ter facilmente entrado na minha lista de filmes prediletos, mas acabou não o fazendo, ficando com o singelo título de “filme ótimo”. De qualquer forma, é um clássico do Cinema e assisti-lo se revela algo imprescindível a qualquer pessoa que se julgue cinéfila.

Ficha Técnica:
Título Original: Once Upon a Time in America.
Gênero: Drama.
Ano de Lançamento: 1984.
Nacionalidade: Itália / Estados Unidos.
Tempo de Duração: 236 minutos.
Diretor: Sergio Leone.
Roteiristas: Leonardo Benvenuti, Piero De Bernardi, Enrico Medioli, Franco Arcalli, Franco Ferrini e Sergio Leone, baseado em livro de Harry Grey.
Elenco: Robert De Niro (David Aaronson), James Woods (Maximillian Bercouicz), Elizabeth McGovern (Deborah), Treat Williams (Jimmy O’Donnell), Tuesday Weld (Carol), Burt Young (Joe), Joe Pesci (Frankie Monaldi), Danny Aiello (Chefe de Polícia Aiello), William Forsythe (Philip Stein), James Hayden (Patrick Goldberg), Darlanne Fluegel (Eve), Larry Rapp (Fat Moe), Dutch Miller (Van Linden), Robert Harper (Sharkey), James Russo (Bugsy), Jennifer Connelly (Jovem Deborah) e Sergio Leone (cobrador).

Sinopse: No último filme de sua carreira, o cineasta Sergio Leone explora o mundo da máfia judia em Nova York. Narrando a estória de quatro amigos que, nos anos 1920, iniciam-se no submundo da marginalidade cometendo pequenos crimes, o longa traça um panorama sobre a amizade destes durante várias fases de suas vidas até que, graças à traição de um membro da quadrilha, o bando acaba tendo um trágico final.

Once Upon a Time in América – Trailer:

Crítica:

Sensibilidade. Essa é a palavra que nos vem à mente quando pensamos em um filme de Sergio Leone. E se lucubrarmos um pouco mais, a palavra “sensibilidade” se mescla com algumas outras e forma uma sentença que passa a condizer mais com o que o cineasta italiano nos é capaz de transmitir através de sua Arte. Que tal então precedermos o vocabulo “sensibilidade” por “captação de” e procedermos a mesma por “artística”? Sim, “captação de sensibilidade artística”, é isso o que Leone nos passa mediante os seus filmes, sobretudo, clássicos absolutos como “Por uns Dolares a Mais”, “Três Homens em Conflito”, “Era Uma Vez no Oeste” e, é claro, este último regalo do grande legado cultural que o cineasta ofertou à humanidade: “Era Uma Vez na América”.

Assim como em quase todos os grandes clássicos de Leone, esta obra-prima do Cinema “gangster” submerge em poços de taciturnidades. Taciturnidades estas que valem muito mais do que mil palavras proferidas ininterruptamente. O silêncio aqui se revela muito conveniente, mais do que isso, diria até mesmo que é inerente à apreciação completa da trama. Qualquer diálogo que ouse contrastar com a maravilhosa trilha-sonora de Ennio Morricone soada ao fundo se torna mais do que mal vindo, se revela um agente desarmoniozo, um aniquilador de elos estabelecidos entre público e obra-prima.

Mas que silêncio tão importante vem a ser esse? O mesmo silêncio que abre clássicos absolutos como “Três Homens em Conflito”, representados pela isenção de diálogos que, magistralmente, nos remete à sensação de estarmos presenciando uma pintura em movimento, capaz de introduzir o espectador à trama capturando-o de tal maneira que passamos a nos sentir encarcerados (no melhor sentido o possível da palavra) dentro desta, como se fossemos parte inseparável da obra cinematográfica.

Como Leone consegue isso? Não sei dizer, só sei que o diretor o faz, e muito bem feito, diga-se de passagem. Da mesma forma que sentíamos a riqueza de detalhes de “Era Uma Vez no Oeste” nos transportar suavemente para o lado oposto do visor fazendo o uso de pequenos efeitos de sonoplastia, como o perturbador rugido de um velho moinho volteando ou então o som emitido por uma mosca voando pelo cenário, percebemos que a mesma riqueza de detalhes fora empregada também em “Era Uma Vez na América” com o mesmo propósito. E sabem o que é o melhor nisso tudo? Leone conseguiu faze-lo com ainda mais êxito neste drama de 1984 do que o fizera no western de 1969.

Vide a seqüência inicial, por exemplo. Temos uma gama de efeitos de sonoplastia cuidadosamente distribuídos pelo filme que tornam a trama altamente verossímil. É como se realmente estivéssemos dentro do cenário. Como não se sentir inserido na obra ouvindo os ruídos de um telefone tocando, ou de um trem chegando à estação, ou até mesmo ao perceber a importância que Leone atribui, inclusive, ao som que um par de sapatos emite enquanto o indivíduo que o está calçando caminha por uma sala vazia? É justamente este tipo de característica que torna os filmes do mestre dos western spaghetti tão prazerosos de serem assistidos.

Mas não é exclusivamente através de silêncios profundos, ou semi-profundos, e ruídos extremamente convenientes que se alicerça a total captação artística deste “Era Uma Vez na América“. Não, muito pelo contrário, a preocupação que o cineasta tem para com o modo como as cenas são filmadas colaboram muito mais com o resultado final do filme, artisticamente falando. Como não se cativar com o modo com que Leone concretiza algo tão abstrato quanto a inocência durante uma cena extremamente simples, embora indubitavelmente precisa em seu objetivo mor, onde um garoto come um modesto pedaço de bolo (repare que, ao tomar tal atitude, a criança opta pela inocente e deliciosa sensação que se tem ao degustar um doce, ao invés de por em prática a sua tão esperada iniciação sexual. É o maior deleite de uma criança confrontando, e derrotando, o maior deleite de uma pessoa adulta, tudo em uma única cena)?

A crueldade e a frieza com que a máfia realiza as suas operações também pode ser resumida em uma única cena do filme e o que mais acaba surpreendendo é o modo como a mesma é executada: sem utilizar violência física, ou até mesmo verbal ou psicológica. Refiro-me à seqüência hilária, e ao mesmo tempo revoltante e vil, em que os quatro amigos de infância, agora ligados à máfia judia, trocam um grande número de bebês dentro de uma maternidade. Ao mesmo tempo em que presenciamos toda a sagacidade e originalidade do roteiro mostrando o modo como os gangsters realizam uma espécie de seqüestro (com a diferença de que, aqui, a vítima não é mantida em cativeiro sob a tutela dos seqüestradores) sem nem ao menos ameaçar a integridade física ou o direito à liberdade das vítimas, nos sentimos tremendamente perturbados e inconformados com a crueldade e a frieza adotadas pelos bandidos durante tal ação. Afinal de contas, o que pode ser mais cruel: colocar a cabeça de um cavalo de corrida debaixo dos lençóis do proprietário do mesmo ou tirar de inúmeros pais, mesmo sem utilizar-se de violência e/ou grave ameaça, o direito que estes possuem à guarda de seus filhos? A aspereza da cena agrava-se ainda mais quando os marginais dizem: “___ Somos mais fortes que o destino. Damos pais com condições de conferirem vidas boas à crianças que deveriam ter famílias pobres, e fazemos o contrário com as demais crianças.“. Sem dúvida, algo repugnante. Em menos de vinte minutos Leone se mostra capaz de retratar toda a maldade presente no submundo do crime, e o que é melhor, sem fazer uso de violência direta. Algo que o Cinema jamais havia presenciado antes, nem mesmo em “O Poderoso Chefão“.

Contudo, de que adianta tanta sensibilidade artística sendo projetada bem diante de nossos olhos se não tivermos grandes profissionais para vivenciá-las? Pois é, Leone pensou muito a respeito disso e chamou um elenco absurdamente competente para cumprir tal tarefa. O destaque dentre os atores, como não poderia deixar de ser, fica com a soberba dinâmica desenvolvida entre a dupla Robert De Niro e James Woods. O primeiro, como sempre, adere às suas clássicas expressões para compor o seu personagem, variando desde a elevação labial demonstrando preocupação, ao seu clássico sorriso sem dentes de orelha a orelha. Woods, por sua vez, faz o milagre de conseguir roubar a cena do próprio De Niro sempre que entra em ação. Detentor de um carisma mais do que inerente à construção de Maximillian Bercouicz, o ator esbanja talento durante o filme todo e nos presenteia com um trabalho extremamente consistente. O elenco secundário, inclusive os atores mirins, que se mostram perfeitamente bem entrosados, também cumpre magistralmente bem a sua função e se mostra altamente imprescindível para o satisfatório resultado final do filme.

Outro atributo extremamente importante do filme é a sua montagem. É fascinante vermos o modo como Nino Baragli consegue realizar convenientes e gigantescos saltos temporais retroativos e ultrativos de modo vastamente sutil, a ponto de nem percebermos que a narrativa avançou, ou regrediu, décadas e mais décadas a partir do momento em que a mesma parou. E é claro que, tão importante quanto a montagem de Baragli para a obtenção de tal clarividência na estrutura da narração, é a direção de Leone que confere efeitos imperceptíveis à composição desta. Note a seqüência em que o personagem de Robert De Niro sai pela porta de uma estação ferroviária e, logo em seguida, adentra pela mesma porta que havia saído outrora. Apesar de tal cena ter sido realizada em uma única tomada, ela surpreende o espectador por avançar 35 anos na trama, de modo que nem notamos tal progressão.

Analisando tudo o que fora mencionado até este exato momento, o leitor deve ter observado que o filme é pura perfeição técnica e artística, correto? Não, infelizmente não. Os momentos finais deste “Era Uma Vez na América” acabaram sendo uma das mais decepcionantes sensações que já tive ao assistir a um determinado filme. É lamentável vermos o modo como um roteiro brilhante, que até então havia realizado um complexo estudo sobre a amizade, a ambição, a crueldade, a ganância, o poder e o crime organizado, se propõe a encerrar a sua narrativa de modo extremamente simplório, nada original e, mormente, artificial.

O desfecho trazendo um “Noodles” arrependido, bom caráter e carregado de valores morais é de uma artificialidade que chega a causar gravíssimos incômodos e insuportáveis repulsas ao espectador. Um modo completamente tolo e dispensável de se encerrar a saga de um dos maiores mafiosos da estória do Cinema. A alteração da índole do protagonista da estória, além de previsível, se revela uma solução exorbitantemente simplória que os roteiristas acabaram adotando a fim de amarrar as pontas de um longa-metragem de quase quatro horas de duração (indiscutivelmente, o mais longo filme que já assisti em toda a minha vida). Uma pena, uma obra tão perfeita quanto esta merecia um desfecho muito menos “redondinho” do que o que lhe fora atribuído. De qualquer forma, uma obra fantástica, indispensável ao “currículo” de um cinéfilo.

Obs.: Não deixem de conferir total atenção à participação marcante que o diretor Sergio Leone realiza no filme como vendedor de ingressos na estação ferroviária.

Avaliação Final: 8,5 na escala de 10,0.

Crítica – Era Uma Vez na América

Os filmes de Sergio Leone são geralmente pontuados por longos e contemplativos silêncios. Silêncios que explicitam toda uma situação dramática, toda uma nuance das personagens. Silêncios que falam mais do que uma hora de diálogos. Era Uma Vez na América carrega em si essa característica marcante do diretor, a dos planos longos, silenciosos, apenas com a bela trilha sonora de Morricone ao fundo. Todo um conflito se desnudando. A máfia começando a tomar forma numa Nova York pútrida, fedida, corrupta.
Leone entra no território de Coppola e, posteriormente, de Scorsese com um filme antes de tudo sensível, porém não romantizado. Consegue como poucos trabalhar com um elenco infantil. Ele tem a sensilibidade necessária para comover o espectador numa cena em que uma criança come um simples bolo e nos chocar noutra onde uma criança é assassinada. O retrado da adolescência que o diretor pinta aqui, é um dos mais belos já visto. Impossível não se vê ali. O diretor trata esse período da vida com humor, mas também não deixa de expôr o lado cruel da vida dessas crianças sugadas pela criminalidade. É a visão da máfia pelo olha puro e inocente da infância, uma infância roubada que vê ali uma forma de subir na vida, de ganhar status, de ser respeitado pelos demais. Se quando vemos aquelas crianças vestidas como gângsters não conseguimos conter uma risadinha, Leone trata logo em seguida de nos dar um choque de realidade, mostrado que não há nada de engraçado naquilo tudo.
Num filme encabeçado por monstros cinematográficos, é curioso que a parte mais brilhante seja justamente a mais inexperiente.

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